quarta-feira, 14 de outubro de 2009

VII Bienal do Livro - Andahazi

Capa do romance O anatomista

O escritor argentino Federico Andahazi foi o mais celebrado na VII Bienal do Livro de Pernambuco, ao lado do homenageado Raimundo Carrero. Nas suas duas palestras, falou do seu assunto preferido, o sexo, e de outros infelizes, como a censura. Confira algumas de suas ideias:

São muito poucos os argentinos traduzidos no exterior. Desgraçadamente, são também muito poucos os escritores brasileiros novos traduzidos para o espanhol. Brasileiros e argentinos lemos uma enorme quantidade de lixo vinda dos Estados Unidos e Europa e nem sequer temos a oportunidade de lermos a nós mesmos. O mesmo ocorre com o cinema e tantas outras manifestações culturais. É uma pena e uma vergonha.

Todo poder procura censurar a sexualidade e a literatura, porque ambos lidam com o desejo, e o desejo escapa a qualquer tentativa de controle.

É certo, minha literatura talvez difira bastante da narrativa de nossos dias. Entretanto, por mais que uma novela se situe na Itália ou França, por mais que transcorra na Idade Média ou no Renascimento, sempre e inevitavelmente resulta ser uma alusão à atualidade. Não deixa de ser eloquente que ocorra a mesma coisa na realidade que na minha primeira novela, O anatomista, que narra a história de um médico renascentista cuja obra é censurada e tem seu livro proibido pelo poder eclesiástico. Igual àquele livro escrito no século dezesseis, também à minha novela tentaram censurar certos setores próximos da igreja, e me foram retiradas as honras do prêmio que me haviam outorgado num concurso literário. É notável a maneira como a realidade imitou, neste caso, a ficção que eu havia escrito.

(Apesar de haver sido finalista do Premio Planeta 1996, este livro foi despojado do primeiro prêmio que obteve de uma fundação argentina pelo fato de não contribuir —ao ver da patrocinadora do concurso— à “exaltação dos mais altos valores do espírito humano”. Na história, o autor narra como o médico italiano Mateo Colón descobriu o clitóris)

Acho que um escritor, ao longo de toda sua carreira, escreve sempre o mesmo romance. Inclusive quando incorre em outros gêneros, a gente encontra que as concepções são as mesmas. Penso que a arte de escrever reside justamente no fato que o leitor não se toque que a gente está repetindo sempre a mesma história. Acho na verdade que entre El anatomista e El conquistador, com todos os romances que estão no meio, sempre esteve atrás das mesmas inquietações e desvelos que têm a ver com a descoberta. Tanto a história de El anatomista quanto a de El conquistador têm como protagonista essa vontade da descoberta. O mesmo poderia dizer dos meus outros romances, e mais ainda, do meu último ensaio: Pecar como Dios manda, que é um estudo da história sexual dos argentinos, apesar de que de algum modo este seja um recorte bastante arbitrário, porque sabemos que a historia latino-americana não se circunscreve estritamente aos limites de um mapa político. Pecar como Dios manda aborda todo o que tem a ver com a sexualidade dos povos pré-colombianos, particularmente dos incaicos, cujos costumes são comuns a muitíssimos de nossos povos.

Acho que tem sim uma espécie de evolução num escritor, mas penso que aquilo que faz com que a gente siga escrevendo é o fato de não ter podido ainda desvendar as questões que estava procurando, porque além disso, desconfio que o campo da literatura não é o da certeza —como pretendem os livros de auto-ajuda— mas sim o da incerteza. Penso que um bom romance não nos deixa resposta nenhuma, aliás uma quantidade interessante de novas perguntas. Nesse sentido, acho que estou me formulando ainda as mesmas questões de quando era um autor inédito e escrevi O anatomista.

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