Volteia sobre o abismo de minha vida um espírito elemental, de inalcançável fluidez. Tal ser não se permite permanecer no centro da minha visão. Meus olhos o captam fugazmente pelos cantos, afastando-se quando tentam captá-lo em todo o seu trágico esplendor. Flutua ao redor das paisagens, visão trêmula quando as lágrimas deslizam pela alma. Arde nas estradas, como desmedida paixão. Espalha-se em cinza pelo céus, derramado em chuva que lava minha mente. Orvalha a flor e afia o espinho. Sua imaterial matéria doa um curto brilho a cada grão de areia. Lambe meu corpo como o fogo lambe uma biblioteca. Escorre pelo nariz da criança, habita o espaço vazio na dentadura do velho e na barriga do faminto.
Tal espírito se alimenta da minha dor. Buraco negro nutrindo-se dos vazios que preenchem meu existir. Meu sonhar é seu lar, o qual habita com o descaso dos que não têm outro lar que não o mundo.
Ilumina o sorrir de minha amada e banha de sabor seu corpo.
Quando já não basta a razão, invoco este espírito, sem esperança de que acuda. Inalcançável, muitos o chamam loucura. Conheço-o por Poesia.
Amâncio Siqueira - trecho do romance Eu, no hospício
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