sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Dores do mundo

Schopenhauer passeia com seu poodle

Se a nossa existência não tem por fim imediato a dor, pode dizer-se que não tem razão alguma de ser no mundo. Porque é absurdo admitir que a dor sem fim que nasce da miséria inerente à vida e enche o mundo, seja apenas um puro acidente, e não o próprio fim. Cada desgraça particular parece, é certo, uma exceção, mas a desgraça geral é a regra. Portanto, assim como o nosso corpo rebentaria se estivesse à pressão da atmosfera, do mesmo modo se o peso da miséria, do desgosto, dos revezes e dos vãos esforços fosse banido da vida do homem, o excesso da sua arrogância seria tão desmedido, que o faria em bocados ou pelo menos o conduziria à insânia mais desordenada e até à loucura furiosa. – Em todo o tempo, cada um precisa ter um certo número de cuidados, de dores ou de miséria do mesmo modo que o navio carece de lastro para se manter em equilíbrio e andar direito. Trabalho, tormento, desgosto e miséria: tal é sem dúvida durante a vida inteira o quinhão de quase todos os homens. Mas se todos os desejos, apenas formados, fossem imediatamente realizados, com que se preencheria a vida humana, em que se empregaria o tempo? Coloque-se esta raça num país de fadas, onde tudo cresceria espontaneamente, onde as calhandras voariam já assadas ao alcance de todas as bocas, onde todos encontrariam sem dificuldade a sua amada e a obteriam o mais facilmente possível, – ver-se-ia então os homens morrerem de tédio, ou enforcarem-se, outros disputarem, matarem-se, e causarem-se mutuamente mais sofrimentos do que a natureza agora lhes impõe. – Assim para semelhante raça nenhum outro teatro, nenhuma outra existência conviriam. Certamente ainda terei de ouvir dizer que a minha filosofia carece de consolação – e isso simplesmente porque digo a verdade, enquanto todos gostam de ouvir dizer: o Senhor Deus fez bem tudo quanto fez. Ide à igreja e deixai os filósofos em paz. Pelo menos não exijais que eles ajustem as suas doutrinas ao vosso catecismo: é o que fazem os indigentes e os filosofastros: a esses podem-se encontrar doutrinas ao gosto de cada um. Perturbar o otimismo obrigado dos professores de filosofia é tão fácil como agradável.

Schopenhauer

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