quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Luto: Morre J. D. Salinger


O autor que é uma das raras unanimidades entre os colaboradores do Phallos, J. D. Salinger morreu na casa onde vivia em Cornish, no estado de New Hampshire, Estados Unidos, informou nesta quinta-feira sua agência literária, a Harold Ober Associates. A causa da morte não foi revelada no aviso oficial. A família divulgou mais tarde que teriam sido "causas naturais". O autor havia se isolado no local em 1953, para fugir do assédio incitado pela fama conquistada pelo seu mais memorável trabalho: O apanhador no campo de centeio (1950).

Livros de memórias escritos recentemente por sua filha, Margaret, e por uma ex-amante, Joyce Maynard, afirmam que Salinger ainda escrevia, embora não desse nenhum sinal de pretender publicar uma só linha.

Em uma rara entrevista concedida em 1980 ao jornal Boston Sunday Globe, Salinger disse: "Eu amo escrever, e garanto a você que escrevo regularmente. Mas eu escrevo para mim mesmo, e quero ser deixado absolutamente sozinho para fazê-lo".

Jerome David Salinger nasceu em 1º de janeiro de 1919 em Manhattan, Nova York, filho de pai judeu de origem polonesa e mãe irlandesa, convertida ao judaísmo.

Começou a escrever histórias ainda adolescente. Em 1940, publicou sua primeira história, "The young ones", na revista Story.

Pouco depois, os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial, e o jovem Salinger foi recrutado em 1942. Ele participou da invasão da Normandia no Dia D, e as experiências vividas na época da guerra o marcaram para sempre.

Depois da guerra, Salinger se casou com uma alemã, porém poucos meses depois o casal se separou.

Em 1948, publicou o conto "A perfect day for bananafish" na New Yorker, no qual apresentou ao mundo a família Glass e suas sete crianças: Seymour, Buddy, Boo Boo, Walt, Waker, Zooey e Franny, que apareceriam depois em várias histórias.

No entanto, foi com "O apanhador no campo de centeio", seu primeiro romance, publicado três anos depois, que J.D. Salinger selou sua reputação. O livro alcançou sucesso imediato, e até hoje é leitura obrigatória em muitas escolas - vende cerca de 250.000 cópias por ano.

As aventuras e desventuras de Holden Caufield, que na adolescência foge do colégio do qual havia sido expulso e passa alguns dias sozinho em Nova York, convivendo com professores homossexuais, prostitutas e cafetões, gastando todo o dinheiro antes de voltar para casa, fascinaram inúmeras gerações de jovens. O enredo pouco diz da essência deste excelente trabalho, que se trata de um romance intimista, no qual se dá vazão às memórias e opiniões de Caufield.

Na época, o livro foi criticado pelo uso liberal de palavrões e pelas referências abertas à sexualidade. Em alguns países, chegou a ser proibido.

Outras coletâneas de contos e romances bem-sucedidos se seguiram ao "Apanhador no campo de centeio", como "Franny e Zooey", até 1965, quando "Hapworth 16: 1924" foi publicado na revista New Yorker.

"Há uma paz maravilhosa quando não se publica. É pacífico", afirmou Salinger em 1974, quando quebrou mais de 20 anos de silência em uma entrevista dada por telefone ao jornal The New York Times.

"Publicar é uma terrível invasão da minha privacidade. Eu gosto de escrever. Eu amo escrever. Mas eu escrevo apenas para mim e para meu próprio prazer", decretou.

Em 1955, casou-se novamente, desta vez com Claire Douglas, na época uma jovem estudante, com quem teve dois filhos, Margaret e Matt. Em seu livro de memórias "The dream catcher (O apanhador de sonhos)", a filha descreve o pai como um homem autoritário que mantinha sua mãe "praticamente como uma prisioneira".

O casal se divorciou em 1967, e em 1972 Salinger iniciou seu longo relacionamento com Joyce Maynard, então com 18 anos, que conheceu trocando cartas.

Em 1999, algumas das cartas escritas pelo romancista a Maynard foram leiloadas por mais de 150.000 dólares.

Salinger permaneceu na casa de Cornish até o último dia de sua vida. Desde os anos 80, era casado com Collen O'Neill. Ele defendia sua privacidade com unhas e dentes, mesmo quando aparecia nos tribunais para processar a eventual publicação de alguma de suas cartas.

Ele recusou todas as ofertas feitas para adaptar "O apanhador no campo de centeio" para o cinema, ou mesmo para escrever uma continuação para a história.

"Não há mais nada sobre Holden Caulfield. Leia o livro novamente. Está tudo lá. Holden Caulfield é apenas um momento congelado no tempo", disse Salinger certa vez ao Boston Globe.

Apesar da falta de publicações, Salinger teria confessado em 1978 a Jerry Burt, seu vizinho e amigo, que escrevia com regularidade e teria pelos menos 15 obras completas guardadas em um cofre.

Burt revelou em 1999 que chegou a ver o cofre aberto na casa do autor, mas não saberia confirmar se a confissão de Salinger era verdadeira, pois a escuridão encobria seu provável conteúdo.

O apanhador no campo de centeio e sua influência

O culto ao "O Apanhador no Campo de Centeio" ganhou as páginas policiais em 1980, quando o fã dos Beatles Mark David Chapman matou a tiros o músico John Lennon, citando em seguida a obra como inspiração para o ato e afirmando que "esse livro extraordinário contém muitas respostas".

Depois dele, foi a vez de John Hinckley Jr, o homem que atirou em 30 de março de 1981 no então presidente norte-americano Ronald Reagan, apontar a obra como fonte de inspiração.

Apesar do sucesso, entre 1961 e 1982 "O Apanhador no Campo de Centeio" foi o livro mais censurado nas escolas e livrarias dos Estados Unidos. As explicações incluem linguagem vulgar, referências sexuais, blasfêmia, questionamento aos valores familiares e condutas morais, encorajamento de rebeldia e promoção de bebidas alcoólicas, cigarros, mentiras e promiscuidade.

No cinema, o filme Teoria da conspiração traz em seu personagem principal, o taxista Jerry Fletcher, um homem solitário como o próprio Salingir, embora aparentemente mais paranóico, que tem verdadeira compulsão pelo livro.

Resta-nos aguardar a família do autor decidir publicar seus inéditos, para que possamos usufruir de sua literatura ágil e limpa.

Socó Pombo

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

De minorias e maioridades


“O heterismo é uma instituição social como outra qualquer e mantém a antiga liberdade sexual – em benefício dos homens. Na realidade, embora seja não apenas tolerado, mas praticado livremente, sobretudo pelas classes dominantes, é condenado em palavras. Essa reprovação, contudo, nunca se dirige contra os homens que o praticam e sim, somente, contra as mulheres, que são desprezadas e relegadas para que se proclame uma vez mais como lei fundamental da sociedade a supremacia absoluta do homem sobre o sexo feminino.”

Friedrich Engels

"Quem abre uma escola fecha uma prisão."

Victor Hugo

O homem branco, cristão, ocidental e heterossexual não é a maioria de fato, porém arrogou-se como maioria de direito. Um direito que subsistiu na forma escrita nos países mais atrasados até nossos dias, e ainda é consuetudinário mesmo nos países mais desenvolvidos. Desde o princípio da civilização (de fato, desde o fim da barbárie) a moral dessa classe particular se impôs como a moral correta para toda a família e para o Estado. Tal imposição se deu a ainda se dá através da propriedade. A posse dos bens materiais determina a propriedade da razão, da moral, da religião e do direito. Não é à toa que nosso direito pune com mais rigor os crimes contra a propriedade que os crimes contra a pessoa. É a propriedade que mantém o status quo, o poder do chefe de família, que abaliza o poder do Estado e da igreja.
Tal poder, a partir do domínio da burguesia sobre os meios de produção, passa aos poucos a ser menos evidente, mais enredado nas instituições que buscam a garantia dos direitos humanos e da igualdade entre os cidadãos. Igualdade, evidentemente, apenas ideológica. A ideologia burguesa da igualdade perante a lei, perfeitamente absorvido pela ideia do “sonho americano”, é um poderoso mecanismo de alienação histórico-econômica. Na verdade, a única igualdade que abrange a todos é a liberdade de sonhar. Tal liberdade está presente no cinema e na TV, principalmente, mas encontra forte aliado nos livros de auto-ajuda. Todos esses meios apresentam exceções como se regras fossem. Realizar os sonhos não encontra o mesmo respaldo da sociedade. Não há qualquer possibilidade de igualdade de condições. Não basta ao nosso personagem, o homem de família, deter em suas mãos os três poderes: têm também o quarto. Qualquer tentativa das maiorias de fato minorizadas pelo direito de alterar as estruturas sociais recebe no primeiro momento o enfrentamento dos pelotões de órgãos de mídia, com suas análises imparciais.
Tais órgãos abordam os temas sociais da mesma maneira que as religiões abordaram no passado: falam de sua preocupação com a paz e os fracos, para inserir em seguida o ponto de vista dos fortes, que coincidentemente é o melhor para a nação. São contra as superintendências de desenvolvimento regional, porque são propícias à corrupção. Contrários às reservas indígenas, por enfraquecerem a segurança nas fronteiras. Opostos aos programas sociais, pois geram dependência e são eleitoreiros. Inimigos do sistema de cotas nas universidades, que são segregacionistas. A agora são a favor da redução da maioridade penal.
Não lhes basta o nepotismo, o acesso a melhores escolas, as oportunidades gratuitas dos melhores empregos, a possibilidade de prisão especial e foros privilegiados, a maior proximidade com o poder e as facilidades de corrupção. Não é suficiente que detenham as maiores empresas, que financiam as campanhas de seus candidatos e mantêm a minoria da sociedade como maioria no congresso e nas câmaras e assembleias. Precisam dificultar o acesso dos mais pobres, endurecer as leis contra eles. É óbvio que seus argumentos são poderosos e bem construídos e, com sua ideologia escondendo os reais interesses, mesmo os que mais sofrem com as distorções sociais acabam concordando com suas opiniões.
Como mais uma vez o espaço é insuficiente, deter-me-ei no tema da maioridade penal. Os demais ficarão para outras ocasiões.
Como em todos os outros campos da atividade social, também no que tange aos menores o burguês tem a visão de que é mais fácil apagar o incêndio derrubando a floresta (George W. Bush fez isso literalmente nos Estados Unidos, e uma maneira similar foi praticada no governo FHC, quando, diante das denúncias de corrupção na SUDAM, ao invés de investigar-se e punir os culpados, extinguiu-se as superintendências). Assim tem sido a abordagem dos membros da classe dominante em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Afirma-se que a maioridade aos dezoito leva o crime e alistar menores, por saber que sofrerão penas menores. Não abordarei, ainda pela falta de espaço, as naturezas e sistemas de penas. Porém devo abrir um parêntese: em muitos casos o menor terá uma privação de liberdade de três anos, superior à pena para a maioria dos delitos do nosso código penal. Dizer que não sofrem nada é mais uma distorção ideológica, com a qual pessoas distantes do sistema concordam, por não conhecerem a natureza concreta dos fatos.
Tal argumento é ainda absolutamente ilógico como desculpa para reduzir a idade limite para a maioridade: se a menoridade é motivo para arregimentar menores, deduz-se que, a cada redução da idade, reduzirá também a idade dos soldados do crime. Reduza-se para dez anos a maioridade, e teremos meninos de nove armados e praticando ilícitos, para que “não sofram nada”.
Por outro lado, tal argumento esconde seu real objetivo: como sempre, o burguês coloca a culpa do sofrimento naqueles que sofrem. A prostituta é degenerada, não importa se é o homem que financia sua profissão. O traficante é o culpado pela violência, mesmo que seja financiado pelo viciado da classe média. O menor é culpado pela sua condição de excluído, pois não presta, é por natureza ruim. Vejamos cruamente os números da violência: as maiores vítimas de homicídio são jovens entre 15 e 24 anos, do sexo masculino, de pele negra e residentes em periferias. Qual o solução para esse problema? Prendê-los cada vez mais cedo e por mais tempo. É lógico que ninguém pretende aumentar as penas para os crimes do colarinho branco, que prejudicam essas populações, desviando recursos que as auxiliariam para paraísos fiscais. Eles simplesmente são maus e merecem o castigo.
Comparar a nossa legislação com a de países desenvolvidos é em si uma idiossincrasia sem tamanho. Os países desenvolvidos punem crianças que tiveram todos os seus direitos essenciais respeitados, tiveram uma educação exemplar e um convívio social e familiar saudável, e mesmo assim praticaram violência, por uma falha de caráter que todo o bom tratamento não foi capaz de coibir. Nossa realidade é bem diferente, e mais uma vez a lei funcionaria apenas contra os pobres, exatamente aqueles que não possuem, em sua maioria, tais condições de desenvolver todo seu potencial intelectual e emocional.
Para concluir, gostaria de propor uma mudança de perspectiva interpretativa do ECA: por que, ao invés de discutir o descumprimento dos artigos sobre a maioridade penal, ou uma mudança na legislação, não se discute o estatuto como um todo? Ao invés de refletir apenas nesses artigos, façamos uma discussão ampla sobre os demais. Antes de condenar a lei, conheçamos o que ela diz.
E, principalmente, comecemos a aplicar a lei. Depois que a criança e o adolescente tiverem seus direitos plenamente respeitados, em especial no tocante à educação e à segurança familiar, poderemos verificar aqueles que de fato praticam crimes por desvio de personalidade e sociopatia e aqueles que o fazem por desvios da sociedade que os impelem a tais comportamentos.
Construamos mais escolas, não apenas como prédios, mas como ideias para uma nova educação social, e veremos muitos desses “maus elementos” deixarem suas prisões.

Amâncio Siqueira

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Saudade: Fragmentos


Os bons poetas são dotados de ritmos próprios, que imprimem às suas sentenças uma musicalidade que faz dançarem as palavras. Há poetas, porém, que transcendem esta qualidade e não apenas dizem às palavras: Dançai, mas dançam com elas. Que aceitam o seu convite e dançam em seu próprio ritmo. Palavrentidades, verboviventes, palavrobjetos. Não objetos concretos, cortantes como a faca, duros como a pedra, como na composição cabraliana. Objetos sensíveis ao toque, maleáveis, quase abstratos de tão diáfanos. Palavras que bailam ao ar, escorrendo entre os dedos como areia da qual somos feitos.
Nesta categoria de poetas dançarinos, embebidos do ritmo das palavras, colocaria Carpinejar, Palmeira e a nova poetisa Izabel Goveia, que tem bailado em seus textos ao ritmo da insensatez do seu sentir, todo silêncio de palavras tecido.
A música que Goveia capta das palavras é, a despeito de toda sua carga de feminilidade, um balé infantil, de espontânea ludicidade, uma ciranda de palavras tristes. Como criança que brinca sozinha, embora as palavras sejam suas companheiras de brincadeira. Observa-se que não há nada fabricado com esforço, nada coagido, como profissão. São jogos espontâneos. Talvez por ser apenas brincadeira haja ainda poucos textos de Goveia, mas com grande valor literário.
Todavia, não são apenas ritmo as palavras que monologam seus diálogos ao ouvido da poetisa. São sentimento entranhado, caos encravado no peito. Palavras em fuga. Da alma e do papel. As palavras passam esvoaçantes diante de nossos olhos marejados, cada uma com personalidade própria. E são geniosas essas palavras que habitam Izabel. Não se deixam confundir, embora apreciem a confusão. Dotadas não apenas de vida, mas de asas, voam sob o luar choroso das emoções da poetisa.
O ser de Izabel Goveia é gaiola, na qual estão presos esses pássaros-emoção, que voam alegres quando os olhos da poeta se abrem em lágrimas e sorrisos. Lágrimas de liberdade. Sorrisos de poesia. Aves famintas de existir, loucas por voar a vida, esvoaçar suas nuances.
Um verdadeiro delírio de sentidos, tais aves emigram como nós, humanos incapazes de voar, dos plátanos do desejo ao deserto da saudade. São plenitude de vida. E vida é sofrimento. É dor o que nos mostra que ainda podemos, que ainda há passos na caminhada. Que ser é saudade. Sim, esses pássaros govenianos emigram, apenas para sentir no peito o agudo dolorir da saudade de seus lugares. São muitos os lugares, pois no peito da poetisa há uma enlaçada saudade de si mesma, este lugar-existir. Sua poesia é um fugir pra dentro.
Sim, as palavras de Goveia escorrem entre os dedos, porém sem gravidade: escorrem para o ar, flutuantes ao vento de seu sentir-saudade.
Cabe-nos apenas deliciar-nos com este vôo de emoção, esperando que Izabel Goveia abra mais vezes a gaiola do seu ser e liberte-se, bailando no ar junto de suas palavraves.

Amâncio Siqueira

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Fragmentos de Saudades - Prefácio



A poetisa afogadense Izabel Goveia faz melodia do próprio silêncio e, da solidão, a melhor companhia. Hipnóticos e arrebatadores, os versos do seu livro Fragmentos de Saudades nos conduzem ao sentir de uma poesia acontecida em cascata. Poesia com cheiro e textura de alma.

Izabel existe veementemente. Faz de sua vida um delírio poético. A poetisa poema a ebriedade dos acontecimentos, nos dando o prazer de embriagarmo-nos em seus porres verbais. Izabel sabe muito bem fazer dançar a sua vida e o valsar de suas palavras segue o ritmo envolvente de um bolero de Ravel. A poetisa não modela teses para explicar sua essência poética, ela evidencia, com a elegância de suas palavras, a polidez do seu percurso criativo.

Em um de seus poemas a escritora nos diz: “Uma carência perene se faz em mim, nas ruas em que mendigo um pouco de vida.” Nessas questões da alma, ela não nos ensina a experimentar a dor, mas a sabermos doer.

Um exemplo contundente de sua excelência poética está na confissão: “Eu queria mesmo era a tua biografia escrita em minha pele. Mas o que tenho são os teus rascunhos indecifráveis”. Izabel é dona de uma escrita pujante e límpida. O laconismo de alguns versos evidencia o seu modo sereno de sintetizar a existência. O seu existir é um eterno despir-se para as coisas belas da vida. Amante da natureza, ela reverencia com versos tenros o que lhe oferecem os lírios.

O livro traz em seu bojo a sensibilidade inerente ao espírito irrequieto e criativo da poetisa. Um livro profundo e marcante. Poesia viva, de doer na carne e deixar marcas de cicatrizes na alma. Poesia de vestes líricas, de transbordante ternura. Fragmentos de Saudades não é um livro, é um estado de espírito.

Alessandro Palmeira

Fragmentos de Saudades

Capa do livro Fragmentos de Saudades, de Izabel Goveia

A poeta, blogueira, escritora e colaboradora do Phallos Izabel Goveia lançou recentemente seu primeiro livro, Fragmentos de Saudades. Em comemoração, lançaremos nos próximos dias matérias sobre o mesmo e textos da autora.
O escritor Alessandro Palmeira prefaciou a obra.
O livro conta ainda com belas imagens de Edierque Santana, pintor e ilustrador, que dão ainda mais vida aos belos poemas.
O livro pode ser adquirido pelo saite Clube de Autores, no linque http://clubedeautores.com.br/book/10069--Fragmentos_de_Saudades

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

De língua e linguagens

Capa do livro Preconceito Linguístico

"O pai do purismo é o escritor Vaugelas (pronuncia-se vojlá). Ah, sim, desculpe a intimidade: Claude Favre, barão de Pérouges, senhor de Vaugelas (1585-1650)... Com esses títulos, evidentemente, ele só podia achar que a "boa linguagem" era a dos aristocratas. Ele escreveu, de fato, que o uso correto do francês devia se inspirar na língua falada pela "parte mais sadia da Corte". Então, não basta ser nobre, não basta ser aristocrata, é preciso ser mais nobre que a nobreza, mais aristocrata que a aristocracia... O espírito de Vaugelas se incorpora hoje em muitos paspalhos e sacanas que andam por aí atacando as "impurezas" do português brasileiro.”

Marcos Bagno

Uma das mais desconhecidas ciências da atualidade é a linguística. Muitos já ouviram falar dela, sem que, entretanto, deixem de lado as preconcepções e busquem saber o que ela tem a dizer. Alguns acham que tal ciência não merece essa classificação, e consideram que trata-se apenas de um pandemônio de indivíduos que não têm nada melhor para fazer que destruir a língua portuguesa. Outros acreditam que é apenas um estudo para simplificar a língua.
Primeiramente, o foco não é esse. Não se discute uma "simplificação da língua". A língua portuguesa, assim como qualquer outra, é simples, pois tem inúmeros usuários que a compreendem diariamente. A linguística, ao contrário da gramática, não busca impor uma linguagem correta, mas estudar os fenômenos inerentes à linguagem. Camões, por exemplo, utilizava vocábulos como frecha, ao invés de flecha, que se tornou o correto para os gramáticos.
Toda língua possui regras. O fato de alguém usar tu/você é, nós é, vocês é, eles é, é uma regra de conjugação verbal com pouca variação dos lexemas e morfemas, inclusive o inglês a adotou em sua norma culta (you are, we are, you are, they are). É uma regra de conjugação válida como qualquer outra. Você já viu alguém escrever uma frase assim: assim frase viu escrever gostaria alguém saber de só uma já você?
As regras estão implícitas na comunicação, a sintaxe é comum a todos os falantes, que sabem a que sujeito se refere o verbo e quais os complementos que os acompanham.Não se trata de simplificar nada, mas de compreender que todos os usos que se fazem, desde que a língua sirva ao fim de comunicar, são válidos. Nenhum linguista defende o fim das gramáticas, ou da norma “culta”. Nas palavras de Evanildo Bechara, grande linguista, gramático e acadêmico da ABL, trata-se de mostrar ao usuário a possibilidade de ser “poliglota em sua própria língua”.
O estudante deve compreender que, assim como o inglês não é mais correto que o latim, ou o italiano que o alemão, a norma padrão não é melhor ou pior que as variedades regionais ou sociais. Estudar a norma padrão é importante não porque é melhor, mas porque é o norte para o texto escrito, aquele que deve ser compreendido por todos os usuários. A forma escrita da língua varia menos que a oral e tem menos regras, para que qualquer leitor possa compreender o que está no papel (ou na tela), enquanto na linguagem oral há muito de interatividade entre os falantes, que não se compreendem apenas pelas palavras, mas pela entonação, sinais faciais ou manuais et cetera.
Por fim, não se confunda língua portuguesa com norma culta, que é apenas uma das suas milhares de modalidades.
O que a linguística faz em relação à gramática é o mesmo que a psicanálise fez em relação à moralidade: deixou de lado o normatismo e a exigência de rígidos padrões e passou a estudar cientificamente os mecanismos internos, sem preconceitos. Os moralistas continuam considerando a paixão do filho pela mãe e da filha pelo pai como algo abominável, que sequer deve ser citado. A psicanálise sabe que tais fenômenos são comuns, os nomeia como Complexo de Édipo e Complexo de Electra e estuda como funcionam.
Sugiro a leitura de Preconceito Linguístico, de Marcos Bagno. Você terá uma visão mais científica do que estamos discutindo e perceberá que o autor, a despeito de defender o fim do preconceito em relação às variantes não cultas da língua, expressa-se perfeitamente na norma padrão. Que é excelente para a escrita, mas péssima para contar piadas para os amigos no barzinho da esquina.

Amâncio Siqueira

Poemeio

Pintura: Oswaldo Guayasamín - O Grito II

Em sua solidão, o poeta chora o que não é chorado.
Em sua solidão, o poeta cria outras solidões
e passa a brincar com elas.

Em sua solidão, o poeta poema o que é silêncio.

Em sua brincadeira de verbalizar silêncios,
o poeta jardina o deserto de si.


Deserta de si qualquer lugar.

Alessandro Palmeira