quarta-feira, 21 de julho de 2010

De temerário inoportunismo

“Vamos falar somente disso, sábios ilustres, mesmo que seja discurso péssimo. Calar é pior ainda. Porque todas as verdades que nos recusamos a dizer se tornam venenosas.”

Nietzsche


Para além da teoria literária, adiante da crítica, após o horizonte do livro, subjazem conceitos que se transferem da obra para seu feitor. O ofício da escrita, assim como qualquer outro, exige alguém qualificado intelectual, emocional e fisicamente. A esse profissional da escrita chamaremos escritor, do qual falaremos um pouco mais, para diferenciá-lo daqueles que apenas escrevem e que não devem se confundir com escritores.
Deixemos à parte a técnica, a dedicação, o árduo trabalho de tecitura do texto, e voltemos nossa atenção para algo de suma importância na produção daquilo que podemos chamar verdadeiramente escritor: a personalidade.
O escritor não poderia deixar de ser um homem comum, como os que mais o sejam. Comum a ponto de tornar-se totalmente diferente, um solitário desdenhado por aqueles que não compreendem sua necessidade de compreender. Solitário não porque se ache especial: apenas percebe que as vidas ao seu redor são tão insignificantes quanto a sua própria. É exatamente esse senso de que nada tem de especial que o leva à aventura de espelhar na arte o trágico de ser humano. Apenas os mais humanos podem transcender a individualidade de homem para redimir ou condenar toda a humanidade. Percebem que a única maneira de atribuir sentido ao absurdo do existir é por intermédio da arte.
O escritor não tem medo. Não apenas é corajoso, mas também temerário. Não se trata apenas de não correr do perigo: trata-se de correr para o perigo. O escritor é o perfeito inoportunista. Jamais perde uma oportunidade de ser inoportuno, de bradar verdades dolorosas para todos, para ele inclusive. Não à toa será chamado pelos desafiados víbora: sua verdade é venenosa até mesmo para si. Não pode prendê-la, guardá-la, escondê-la.
O escritor não é aquele que mais sabe de si mesmo ou do mundo. É tão somente aquele que temerariamente não nega o que sabe, aquilo que todos sabem, mas não conseguem admitir. Prefere o veneno da verdade à mentira analgésica de cada dia.
O escritor não se permite ter fé. A fé congela a alma, paralisa o intelecto, ilude os sentidos. Tudo no escritor pede calor, movimento, sensação. Mesmo a ilusão que sai da mente do escritor contém uma venenosa realidade. O personagem é um microcosmo que copia o movimento celeste, ou um macrocosmo para simulação de acasos quânticos.
A verdade é açoite, e o escritor auto-flagela-se antes de açoitar seu público.
Diante do mundo que o ameaça, utiliza-se da mais perigosa técnica de auto-defesa: desfere com suas palavras o mais duro golpe possível, sobre o mais poderoso dogma. Bate da forma mais dolorosa contra o lugar mais doloroso do que se chama autoridade. Maldição para o escritor é não ser amaldiçoado. Cobiça uma milhar de religiões, para conquistar uma milhar de excomunhões. Deseja um milhão de deuses, para ser condenado a um milhão de infernos.
No mais profundo da psiquê do escritor há o temor da segurança. Como sobreviverá sua alma em plácida serenidade? Reside aí uma vontade que o conduz à sua obra: o desejo da fogueira.
Amâncio Siqueira

domingo, 18 de julho de 2010

Sobre questões culturais e religiosas e liberdade


A Assembleia Nacional francesa aprovou um projeto de lei que proíbe o uso em público de burca ou de outro veu que cubra o rosto. Pelo projeto, mulheres vistas em público de burca ou niqab - que deixa apenas os olhos à vista (há vestimentas que sequer deixam o olho à mostra, cobrindo-o com uma fina rede) - terão que pagar multa de 150 euros. Se um homem obrigar a mulher a usar esses veus será multado em 30 mil euros e pode pegar um ano de cadeia.

Muitos defensores da “liberdade cultural e religiosa” têm se posicionado contrários à decisão.

A mais corrente analogia que se faz mundo afora é entre a burca e o hábito das freiras. Impressionantemente, as pessoas que tecem essa tosca comparação são os defensores do viés religioso. Deveriam lembrar que as freiras não usam o hábito porque o marido manda, até porque não se casam. Também não escondem o rosto. Podem deixar o claustro quando desejarem. Algum defensor do direito dessas mulheres de exercer sua religiosidade acredita mesmo que elas podem deixar o uso do veu quando desejarem? Por que será que em Cabul, depois da queda do Talibã, mulheres deixaram de usar os veus e passaram inclusive a exibir unhas pintadas? Teriam deixado de ser religiosas?

Outro ponto importante: países de população majoritariamente islâmica já proibiram a burca em locais públicos, como a Turquia e a Tunísia. A verdade é que tal vestimenta nada tem que ver com exercício da religiosidade. Se assim fosse, os homens também a usariam. Tais vestes são utilizadas por uma regra patriarcal e arbitrária imposta por homens inseguros em relação às mulheres, que se negam a enxergá-las como seres humanos.

Ser contra a proibição de burcas por questões culturais, pelo direito das mulheres de “expressarem suas crenças”, é como ser contra a Lei Maria da Penha, levando em conta que é cultural no Brasil e América Latina chegar bêbado em casa e espancar a mulher. Tem mulher que gosta. Deve ser permitido, então?

As mulheres participam de atos violentos como a retirada cirúrgica do clitóris de meninas em determinados países. Algumas mulheres apóiam, é parte da cultura. Devemos permitir que tal aberração ocorra em nosso país?

Que tal permitir que mulheres sejam proibidas de votar ou trabalhar, desde que seja parte de sua cultura?


Quando um indivíduo gosta de algo simplesmente porque foi educado, adestrado, espancado e condicionado a gostar, cabe sim ao Estado intervir. Não duvido nada que as mulheres passem a mostrar rostos marcados por hematomas, quando se virem livres das burcas.


Evidentemente, a lei não é para proteger apenas essas mulheres. Não sou tão inocente a ponto de não perceber o lado ideológico agindo aqui. Há um contexto bem maior e mais importante, que diz respeito principalmente às mulheres europeias: os povos islâmicos se reproduzem mais rapidamente que os não islâmicos, e seus filhos migram principalmente para a Europa. Em algumas décadas, serão maioria nesse continente. Cabe às mulheres europeias (e àqueles que lhes são simpáticos) lutar contra as leis culturais islâmicas de submissão feminina, para que, quando muçulmanos forem maioria, não consigam impor suas leis com o apoio das suas mulheres.
As mulheres muçulmanas merecem o exercício do direito a votar e ser votadas, a trabalhar, e tomar decisões sobre o próprio corpo. Depois que conquistarem esses direitos, não abdicarão deles por “questões culturais”.

Aí, sim, aquelas que preferem usar um veu que lhes cubra todo o corpo, inclusive os olhos, que lhes tolha movimentos e a própria visão, que dificulte mesmo sua respiração, poderão fazê-lo, se assim desejarem. Então se saberá que o uso se dá por questões religiosas, não por imposição masculina.

Socó Pombo

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Programação do 20º Festival de Inverno de Garanhuns - FIG


O Festival de Inverno de Garanhuns (FIG) chega à 20ª edição comprovando seu fôlego multicultural. Entre os dias 15 e 24 de julho, 17 polos atrativos irão tomar a Cidade das Flores oferecendo ao público uma programação que contempla não só áreas diversas como também um público de diferentes expectativas. Serão 10 dias de oficinas, fóruns de discussão, ações gastronômicas, shows, espetáculos de teatro e dança, exposições de arte e fotografia, mostra de cinema e circo.

Nesta edição, o FIG homenageia os 50 anos do Movimento de Cultura Popular, que, de 1960 a 1964, durante o governo de Miguel Arraes e Pelópidas Silveira, revolucionou o sistema de educação e alfabetização do Estado por meio da articulação cultural. A expectativa da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), que realiza o evento em parceria com a Prefeitura de Garanhuns, é de que mais de 400 mil pessoas circulem na cidade durante os 10 dias do evento.
Apesar das tantas opções, é para a programação do Polo Guadalajara que a atenção do grande público converge. Por lá, a programação começa sempre às 21h e o responsável pela abertura da programação geral do FIG 2010 é Alceu Valença, que encerra a noite do dia 15. Até o dia 24, nomes do porte de Gal Costa, Paralamas do Sucesso, Skank, Pitty, Móveis Coloniais de Acaju, Elba Ramalho, Adilson Ramos e Reginaldo Rossi passam por lá também. A missão de encerrar a programação desse ano ficou a cargo de Paulinho da Viola.


Programação artística oficial


20º Festival de Inverno de Garanhuns


PALCO GUADALAJARADe 15 a 23 de julhoLocal: Esplanada Guadalajara, a partir das 21h


Quinta – 15 de julho
· Muendas de Pernambuco (Garanhuns-PE)
· Orquestra Popular do Recife (PE)
· Espetáculo Pernambuco Nação Cultural (PE)
· Alceu Valença (PE)
Sexta – 16 de julho
· Nação do Samba (Garanhuns)
· Trio Pouca Chinfra (PE)
· Gal Costa (BA)
· Belo Xis com Neguinho da Beija-Flor (PE/RJ)
Sábado – 17 de julho
· Rogério e os cabras (Garanhuns-PE)
· Dona Zefinha (CE)
· Móveis Coloniais de Acaju (DF)
· Skank (MG)
Domingo – 18 de julho
· Banda Flash (Garanhuns-PE)
· Tarcys Andrade, Banda Labaredas e Geneci (PE)
· The Fevers (PE)
· Adilson Ramos (PE)
Segunda – 19 de julho
· Cascabulho (PE)
· Gláucio Costa (Garanhuns-PE)
· Homenagem ao Mestre Camarão (PE)
· Elba Ramalho (PB)
Terça – 20 de julho
· Paulinho Groove (Garanhuns-PE)
· Orquestra Popular da Bomba do Hemetério (PE)
· Septeto La Botija, Eva Grinan e Gabino (Cuba)
· Reginaldo Rossi (PE)
Quarta – 21 de julho
· Karla Rafaella (Garanhuns-PE)
· Volver (PE)
· Beeshop – Lucas/Fresno (SP)
· Pitty (BA)
Quinta – 22 de julho
· Instinct Noise (Garanhuns-PE)
· Sandália de Prata (SP)
· MV Bill (RJ)
· Marcelo D2 (RJ)
Sexta – 23 de julho
· Lucioly Maranhão (Garanhuns-PE)
· Ligiana (DF)
· Eddie (PE)
· Os Paralamas do Sucesso (RJ)
Sábado – 24 de julho
· Flávio Pontes e Banda (Garanhuns-PE)
· Patrícia Bastos (AP)
· Jair Oliveira (SP)
· Paulinho da Viola (RJ)

terça-feira, 13 de julho de 2010

Inundando-me no viver - Como não seria assim?

Ele vive sentado na janela das paisagens que tanto aprecio.
É só dar um vento no capinzal, que lá está ele. Confundo-me no que é mais belo, se o capinzal ou a minha procura de um olhar.
Valsando com a menina dos meus olhos, ele faz do meu sono uma festa.
Esconde-se na cortina entrelaçada dos meus cílios para depois me desejar bom dia.
Brinca de acalento nos meus cabelos, trançando de poema minha manhã.
Quando triste, ele flutua nas minhas lágrimas e chora junto com elas.
Do meu olhar o que será ele, senão uma eterna colheita?
Uma apreciação.
Tão colibri ele é, fazendo pouso na saudade já apurada como mel de flor.
Do sempre, quero somente o manchado envelhecido do tempo nas folhas de um papel em que deixarei escrita a devoção das minhas palavras.
Izabel Goveia