sábado, 9 de março de 2013

De Barbarismos Civilizados




“This is not the scene I dreamed of. Like much else nowadays I leave it feeling stupid, like a man who lost his way long ago but presses on along a road that may lead nowhere.”
Talvez o trecho final do romance Waiting for the Barbarians, do nobel de literatura J. M. Coetzee, diga mais sobre seu autor e seus leitores do que sobre o próprio livro. Partindo da chegada de um oficial da Guarda Civil do Império, o romance nos leva no fluxo de consciência do Magistrado, que vê a paz em que viveu como representante da Pax imperial nas últimas décadas esfacelar-se, pois o oficial representa um Império que já não sabe como lidar com o outro, com os bárbaros. O magistrado indaga-se se há outras diferenças entre seu povo e os bárbaros, além da fronteira tênue que os separa, enquanto assiste impotente a prisões, torturas e mortes levadas a cabo por homens cheios de certezas, que não veem tenuidade alguma.
Suas dúvidas o levam à queda, como se sua vida fosse um símbolo do próprio império que desaba, embora seja usado exatamente como símbolo oposto: sua prisão, tortura e degradação são levados a cabo como exemplo para aqueles que não enxergam os bárbaros como o Inimigo.
O crítico Bernard Levin compara Coetzee a Kafka. Talvez Waiting for de Barbarians não seja um romance propriamente kafkiano, mas há com certeza uma correlação entre a obra e o que pensava Kafka sobre o que deveria ser a literatura: o machado que quebra o mar gelado em nós.
Levados pelas suas dúvidas, as situações de dor e humilhação que o levam a refletir sobre sua atitude diante do outro tornam-se uma alegoria para nós próprios, levando a refletir com certo desconforto sobre nossas posições pessoais e políticas, sobre nosso lugar no mundo e o lugar do mundo em nós. Até onde nossas atitudes refletem aquilo que declaramos ser justo.
Encarar a espera pelos bárbaros é encarar a nós próprios, nossos temores, nossas dúvidas, nossa fragilidade diante de um mundo ao qual não conseguimos imprimir o sentido que desejamos, e que evitamos enfrentar até perdermos o controle até mesmo sobre nossa própria liberdade.
No fim das contas, não somos todos nós homens perdidos que insistem em trilhar uma estrada que não dará em lugar algum?