segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Ragtime - O passado é belo porque previsível


“No seu entender, o sentido de uma coisa era expresso através do seu abandono.”
E. L. Doctorow – Ragtime
A criança com anseios incomuns e mania de colecionar coisas abandonadas faz uma junção de personagens do seu convívio com outros históricos, para relatar as fantásticas e trágicas mudanças ocorridas no início do século XX, em especial nos Estados Unidos. Talvez pela sua ótica possamos dizer que toda a mudança seja fantástica para os que a acompanham e trágica para os que ficam apegados ao passado.
Surgem lendas do mundo empresarial, político, sindicalista e artístico. Pierpont Morgan, Henry Ford, Franklin Roosevelt, o arquiduque Francisco Ferdinando, Harry Houdini, Zapata, a anarquista Emma Goldman, Evelyn Nesbit, primeira deusa do cinema e motivo do assassinato do empresário Stanford White pelo também empresário Harry K. Thaw. Também Freud e Jung visitam os Estados Unidos de início de século e dão seu veredicto.
A família participará dos principais acontecimentos do seu tempo. Papai fará parte da expedição do explorador Peary ao pólo norte; o Irmão mais moço de Mamãe terá um caso com Nesbit e trabalhará com Goldman; Mamãe salvará a filha recém-nascida da criada Sarah com o músico de Rag Coalhouse Walker, ambos negros numa época em que era crime ser mais bem-sucedido que alguns brancos, o que levará bombeiros voluntários a destruir o carro do músico, impulsionando-o à vingança quando não consegue mover a justiça (“sua monumental negritude sentava-se diante deles no centro da mesa”). O Menino advertirá Houdini para a necessidade de impedir a Primeira Guerra Mundial, salvando Francisco Ferdinando.
Um emaranhado de fatos aparentemente desconexos montam uma consistente história do início da Idade Contemporânea, com suas oportunidades e preconceitos para todos.
O epíteto de Scott Joplin, maior expoente da música Rag, “Não toque rápido esta música. Ragtime não é para ser tocado depressa...” é uma admoestação para as pessoas que aceleram o tempo de suas vidas desde a idade moderna e ainda para o leitor, que deve degustar lentamente a grande obra de E. L. Doctorow.
Como espécie de narrador em terceira pessoa que fala de si mesmo, relata seu tempo (o tempo do Menino) com a solidez de um historiador, embora sintamos que há algo incerto, como se a base da história fosse composta de recortes de jornal, notícias ainda incompreendidas, pois não criaram ainda o distanciamento necessário; como um passado do qual não sabemos. Um passado ainda não ocorrido.
É em busca desse passado em seu futuro que o leitor corre pelas páginas de Ragtime.

Socó Pombo

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