terça-feira, 17 de novembro de 2009

O sepultamento dos anos

Pintura: Pablo Picasso - Mulheres Correndo na Praia. 1922

O sacristão praguejou o cortejo que se aproximava. Correu para vestir-se. Só depois percebeu que o povo que seguia o féretro festejava atrás do cortejo.
Foi informado que aquela era a festa de aniversário de um rico burguês.
João Alghersoares percebera algo que ninguém mais havia percebido: cada festa de aniversário é a comemoração de uma morte. São muitas as vidas que um só homem perpassa em uma única vida, de incerta duração. As muitas mortes são mais fáceis de delimitar. Cada aniversário coroa a morte de um ano que já não existe. Funeral de um pedaço de seu tempo deixado para trás.
Se pensas que a vida leva vantagem em relação à morte devido à sua maior quantidade, devo lembrar-te que no infindável suceder de vidas e mortes de uma existência humana apenas uma é definitiva. Por isso Alghersoares festeja o sepultamento do ano que se esvai: sabe que há pouco tempo para festa antes do definitivo findar dos anos.

Amâncio Siqueira, trecho do romance A Ceia das Cinzas

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