terça-feira, 3 de novembro de 2009

Nikos Kazantzakis - Parte IV

Pintura: Ressurreição, por El Greco

A introdução à bio-bibliografia de Nikos Kazantzakis estava pretensamente finalizada. Contudo, acredito ser importante elucidar os motivos do grande gênio grego não ter recebido o prêmio Nobel de literatura. Aproveito o ensejo para adicionar os relatos de sua esposa, Hélène Samiou, que doravante chamaremos apenas Helena, a respeito de seus últimos momentos.
Em 1956, sabendo ter leucemia e com problemas de visão, Kazantzakis inicia a redação das suas memórias, o magistral Testamento para el Greco, no qual se confessa ao grande pintor do século 16, conterrâneo de Kazantizakis, na Toledo que adotou, na qual faleceu em 1614. Nesta impressionante obra, o autor apresenta um aspecto importante de sua obra: o inextricável caráter auto-biográfico. Muitas das características dos seus mais marcantes personagens foram suas próprias características. Anseios, dúvidas, dores lançadas como sangue sobre o papel. Testamento para El Greco é um livro de carne. A capa do livro é feita da pele de Kazantzakis.
É comum que as indicações ao prêmio Nobel sejam feitas pelas academias de letras nacionais. Entretanto, com Kazantzakis não ocorreu assim: Indicado ao prêmio Nobel por Thomas Mann e Albert Schweitzer, Kazantzakis perdeu o prêmio por um voto, para Albert Camus (autor de A Peste e O Estrangeiro, entre outras obras), de 44 anos de idade, trinta anos mais novo do que ele, após pesado lobby da diplomacia grega contra a outorga do prêmio. A exemplo do que ocorreu com Saramago em Portugal, seu país ouvia as vozes do ódio e da igorância vindas dos religiosos, e se opunha à premiação da genialidade por considerá-la perigosamente herética. O próprio Camus, que no seu O Mito de Sísifo expôs algumas ideias próximas às de Kazantzakis descritas na Ascese, afirmaria em carta a Helena ser Nikos, que faleceria poucas semanas após a entrega do prêmio, cem vezes mais merecedor da honraria do que ele (a obra de Camus é uma das mais impressionantes do século XX. Não posso, porém, deixar de concordar com ele). De fato, rótulos de herético ou de comunista (também aqui podemos fazer um paralelo com o Nobel português) acompanharam os últimos anos de suas relações com o país natal e a igreja ortodoxa, sem esquecer da Católica, que o condenou veementemente.
Sobre o período de agravamento de sua doença escreveu a fiel Helena, na biografia intitulada O Dissidente:
Nikos Kazantzakis pediu a Deus dez anos adicionais de vida, dez anos a mais para completar sua obra - para dizer o que tinha de dizer e ‘esvaziar-se'. Queria que, quando a morte viesse, encontrasse somente um monte de ossos. Dez anos seriam suficientes, ou assim ele imaginava. Mas Kazantzakis não era do tipo que podia ‘esvaziar-se' assim facilmente. Longe de se sentir velho e cansado aos setenta e quatro anos, considerava-se rejuvenescido mesmo após a sua última trágica aventura, a da vacinação.
E assim narra seus últimos dias:
De olhos negros como breu, redondos na penumbra, as lágrimas brotando, costumava me dizer: - tenho vontade de fazer o que diz Bergson: ir até a esquina e, estendendo as mãos, começar a implorar aos passantes: ‘Esmolas, irmãos! Quinze minutos de cada uma de suas vidas. Oh, por pouco tempo, o bastante para terminar meu trabalho. Depois, que venha Caronte.'
E Caronte veio - maldito seja! - ceifando Nikos na primeira flor de sua juventude! Sim, caro leitor, não ria. Porque este era o instante para que tudo florescesse e frutificasse. Tudo o que iniciou, este homem que você tanto amou e que tanto o amou, seu Nikos Kazantzakis.
Sobre sua missão, suas batalhas e suas armas, numa guerra da qual, embora derrotado, foi o grande vencedor, disse:

"Ah!... As palavras! As palavras! Para mim, pobre de mim, não existe outra salvação. Não tenho em meu poder mais do que vinte e seis soldadinhos de chumbo, as vinte e seis letras do alfabeto: eu decretarei a mobilização, eu levantarei um exército, eu lutarei contra a morte".

Socó Pombo

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