quarta-feira, 25 de novembro de 2009

De imaginosas realidades

“- Ora, mas eu tenho certeza de que estivemos embaixo desta árvore o tempo todo! Todas as coisas estão justamente como eram antes!
- Mas é claro que estão – disse a Rainha – De que jeito você queria que estivessem?
- Bem, em nosso país, Vossa Majestade, (...) em geral a gente chega a um lugar diferente. Quer dizer, quando se corre assim tão depressa como nós corremos.
- mas que país lento, esse de onde você veio! (...) Mas por aqui, é como você vê. É necessário correr e mais correr, com o máximo de velocidade, somente para permanecer no mesmo lugar.”

Lewis Carroll, Alice no País do Espelho

Todos passamos por um período “Alice” em nossas vidas. A sensação de cair em um mundo em que mudamos de tamanho o tempo todo e uma lagarta em nossa mente pergunta: “Quem é você?”. E já não nos sentimos como éramos há poucos instantes. Um mundo de regras cuja lógica não compreendemos demanda decisões sempre contrárias à nossa razão e sensibilidade. Enquanto a maioria adéqua-se às normas e passa mesmo a defendê-las, algumas pessoas sentem isso por toda sua vida. O caso de uma delas pode ser sentido no filme A Menina no País das Maravilhas.
O casal de escritores Hillary e Peter Lichten educou suas filhas Phoebe e Olivia de modo a desenvolverem toda a sua inteligência através da criatividade e da imaginação. Enquanto Olivia, de sete anos, admira pessoas como Mozart e Marx e demonstra um talento precoce para a poesia, Phoebe, às portas da pré-adolescência, fascinada pelo universo fantástico dos livros Alice no país das Maravilhas e Alice no País do Espelho, de Lewis Carroll, passa a apresentar comportamentos estranhos, que levam a deduzir que ela sofra de transtorno obsessivo-compulsivo.
Adultos passam a associar o fato de Phoebe cuspir nas colegas, xingar, imitar as pessoas e falar em momentos inoportunos com sua obsessão por Alice. Estranhamente, apenas quando ela está ensaiando a peça Alice no País das Maravilhas, sob a supervisão da excêntrica professora Miss Dodger, não apresenta comportamento desviante do padrão. Sua mãe se tortura, por achar-se culpada pelo mundo de fantasia no qual a filha se enredou, já que foi ela a incentivá-la a penetrar no universo de Carroll, objeto de seus estudos para uma tese.
Na ponte entra a realidade e a fantasia se instauram o drama familiar, a dor de lidar com o desconhecido, a luta pela aceitação da filha, que os próprios pais fraquejam em aceitar. A mãe buscará demonstrar por todos os meios que o hábito da filha de conversar com os habitantes do Bosque do Espelho não configura esquizofrenia.
O mais belo e dramático paralelo entre o filme e os livros de Carroll é os momentos que associam a realidade com a cena em que Alice e a Rainha Vermelha correm. Talvez não apenas no País do Espelho, mas também em nossa própria realidade corramos desesperadamente apenas para chegar ao mesmo lugar.
Dirigido e roteirizado pelo novato Daniel Barnz, A Menina no País das Maravilhas (Phoebe in Wonderland) é um belo conto sobre o poder avassalador da imaginação. Um poder capaz de destruir ou salvar uma vida.

Amâncio Siqueira

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