terça-feira, 3 de novembro de 2009

Outros povos têm santos, os gregos têm sábios

Pintura: Rafael, detalhe do quadro Escola de Atenas


Todos os povos se cobrem de vergonha quando se aponta para a sociedade de filósofos tão maravilhosamente exemplar: a dos primeiros mestres gregos. Tales, Anaximandro, Heráclito, Parmênides, Anaxágoras, Empédocles, Demócrito e Sócrates. Todos esses homens são talhados inteiramente numa só peça de uma única pedra. Seu pensamento e seu caráter estão ligados por uma necessidade estrita. Ignoram todas as convenções, porque a classe dos filósofos e dos sábios não existia naquela época. Todos eles são, em sua grandiosa solidão, os únicos homens que naqueles tempos viviam votados ao conhecimento. Todos possuem essa vigorosa energia dos antigos, pela qual superam toda a sua posteridade e que lhes permite encontrar sua forma própria e dar a esta seu desenvolvimento pleno, em seus ínfimos detalhes e em sua maior amplitude, graças à metamorfose. De fato, moda alguma veio lhes prestar mão forte e lhes facilitar as coisas. Desse modo, todos formam, em conjunto, aquilo que Schopenhauer chamou, em oposição à república dos sábios, uma república dos gênios. Os gigantes se interpelam através dos intervalos desérticos da história e, sem se deixarem perturbar pelos anões descuidados e barulhentos que continuam a rastejar abaixo deles, prosseguem seu sublime diálogo entre espíritos.
(...)
Outros povos têm santos, os gregos têm sábios. Com justa razão se disse que um povo é caracterizado menos por seus grandes homens do que pela forma pela qual são reconhecidos e honrados.

Nietzsche, A filosofia na época trágica dos gregos

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