terça-feira, 29 de dezembro de 2009

De independência e solidão


“De onde vem essa diferença? De uma única coisa. Aprendi a carregar o fardo da inevitabilidade sem queixas. Eu me esforcei para ainda me interessar por mil coisas e, como todas essas conquistas aos poucos me escaparam, reduzido apenas a mim mesmo, por fim recuperei minha estabilidade. Pressionado por todos os lados, permaneço em equilíbrio, porque, não me apegando a mais nada, só me apóio em mim mesmo.”
Rousseau

A maior aliada da genialidade é também a maior inimiga do gênio. O portador da inteligência superior deverá acostumar-se, desde cedo, à solidão. Ou a desacostumar-se ao pensamento. O gênio deverá ser necessariamente só, pois é um espécime diferente do típico homo sapiens. Mesmo entre seus pares, sentir-se-á isolado em si mesmo. A constante infelicidade será seu galardão. Se for feliz, estará de si mesmo isolado.
Passar quarenta dias no deserto, como Jesus, ou nas montanhas, como Zaratustra, é a mais prazerosa solidão. Tempo para conhecer-se, para desenvolver a sensibilidade e cultivar o pensamento. Dolorosa é a solidão em meio à multidão. O pulmão cheio de ar puro, livre o corpo das impurezas da civilização, retorna à sociedade e percebe olhares de esguelha, cumprimentos desconfiados. Quanto mais fala o que pensa, mais isolado se torna, pois os demais não gostam de pessoas que os façam pensarem. Cada palavra da boca desse homem solitário dói aos ouvidos da multidão, pois sua crítica, por mais genérica que seja, é uma crítica às individualidades conduzidas rebanhamente.
O rebanho rumina na ignorância de si mesmo, e não tolera que se acerquem esses lobos solitários, desejosos de sangue, salivando contra a fé, a família, a cultura popular e tudo o mais que os torne rebanho, massa de gentes que odeia as diferenças e teme o de fora do cercado.
Prisioneiro do seu espírito livre, doravante será tentado pela felicidade fácil dos que não sabem. Cobiçará muitas vezes o prazer de não saber. Buscará mesmo vestir a pele do cordeiro, não por malícia, mas à procura de uma felicidade que não existe em seu ser, todo angústia pela profundidade do que sente. Alma que escorrega nos próprios pés. Almabismo é a sua, e se refugia na planície do não pensar com o intuito da não destruição. Pois, como dinamite, o sábio, ao explodir, destrói também a si mesmo.
Serão muitos os momentos de fraqueza, muitas as tentações de reinserção numa sociedade que sabe ímpia e que abomina de todo seu coração. Será cercado pelas autoridades, que o ameaçam de punição, e pela família, que pede que se regenere para evitar maiores males. Todos os que o conclamam a melhorar serão bem intencionados, de acordo com a moral que renega. Todos agem pelo seu bem. Isolado entre todos, recusado, vilipendiado e escorraçado, cercado pelo curral dos que o deploram, chegará mesmo a negar-se, a renegar seu espírito em busca de um pouco de paz.
Sua mente, porém, é um mar represado. Está estancada até o momento de invadir como um vagalhão toda a sua realidade, devastando as crenças que aceite para ser aceito.
Ao fim, virá um sibilo em seu íntimo, uma constatação fremente em seu espírito, dizendo-lhe Lança-te, pois está escrito que enviará seus anjos para guardá-lo de todo mal. E, sorrindo, responderá Sim, lanço-me, mesmo sabendo que neste abismo não encontrarei outro amparo que não em mim mesmo.
E pairará seu corpo sobre a face do abismo de seu espírito.
Amâncio Siqueira

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