domingo, 13 de dezembro de 2009

História da Eternidade

Pintura: Salvador Dalí - Desmame do móvel alimento

I


Na passagem das Enéadas que pretende interrogar e definir a nature­za do tempo, afirma-se que é indispensável conhecer previamente a eter­nidade, que — conforme todos sabem — é o modelo e arquétipo daque­le. Esta advertência preliminar, tanto mais grave se a julgarmos sincera, parece aniquilar toda a esperança de nos entendermos com o homem que a escreveu. O tempo é um problema para nós, um tremendo e exigente problema, porventura o mais vital da metafísica; a eternidade, um jogo ou uma fatigada esperança. Lemos no Timeu de Platão que o tempo é uma imagem móvel da eternidade; e isso é apenas um registo que a nin­guém distrai da convicção de que a eternidade é uma imagem feita com substância de tempo. É esta imagem, esta tosca palavra enriquecida pelos desacordos humanos, que me proponho historiar.

Invertendo o método de Plotino (única maneira de aproveitá-lo) começarei por recordar as obscuridades inerentes ao tempo: mistério metafísico, natural, que tem de anteceder a eternidade, que é filha dos homens. Uma destas obscuridades, não a mais árdua, mas também não a menos bela, é a que nos impede de precisar a direcção do tempo. Que ..ui do passado para o porvir é a crença comum, mas de modo nenhum é mais ilógica a sua contrária, a que foi fixada em verso espanhol por Mi­guel de Unamuno:

Nocturno el rio de las horas fluye
desde su manantial que es el mañana eterno...[1]

Ambas são igualmente verossímeis — e igualmente inverificáveis. Bradley nega as duas e avança uma hipótese pessoal: excluir o futuro, que é uma simples construção da nossa esperança, e reduzir o «atual» à agonia, o momento presente desintegrando-se no passado. Esta regressão temporal costuma corresponder aos estados decrescentes ou insípidos, enquanto qualquer intensidade nos parece marchar sobre o porvir... Bradley nega o futuro; uma das escolas filosóficas da Índia nega o presente, por considerá-lo incaptável. «A laranja está para cair do ramo, ou já está no chão», afirmam esses estranhos simplificadores. «Ninguém a vê cair.»

Borges

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