segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Mais uma invasão alienígena?

Avatar, escrito e dirigido por James Cameron, é em muitos aspectos um aviso e uma constatação. Tanto em seu contexto interno como externamente. Externamente, podemos constatar que a tecnologia cinematográfica já não possui barreiras. O aviso: a única barreira para a tecnologia cinematográfica é a da imaginação.
Sim, o espectador poderá deliciar-se com um admirável novo mundo de maravilhas coloridas em três dimensões e alta-definição. Um panorama em tudo gigantesco e grandiloquente. Mas, como todos os mundos já imaginados pela ficção, este também é apenas uma cópia do nosso. Estão cavalos, rinocerontes, lêmures e panteras, que não deixam de sê-lo apenas por possuírem um par de pernas a mais. E é o a mais que diferencia Pandora, uma das luas do planeta Polyphemus, do nosso. Tudo aqui é maior, desde os humanóides até as árvores gigantescas. E é de fato um Novo Mundo, uma América virgem e paradisíaca indefesa contra a cultura da expropriação do homem branco.
Só que o filme se passa em 2154, época em que todos os homens (ou quase todos) serão brancos, senão na cor, nas ações de conquista e depredação. Ao menos na visão de Cameron. Que não deixa de ser a minha. Aqui já não serão chamados de povo do mar, como os europeus que desembarcavam por aqui, mas de povo do céu. Os humanos, para poder moverem-se em Pandora sem as dificuldades próprias da diferença de gravidade e atmosfera, criaram os avatares, construtos biológicos geneticamente iguais aos espécimes do povo Na’Vi, humanóides de cultura aborígene.
O fuzileiro Jake Sully vê nestes avatares uma chance de recuperar o movimento das pernas. Sendo um soldado num grupo de cientistas, não demora a ser cooptado pelo coronel Quaritch, que quer sua lealdade para infiltrar-se entre os indígenas (inimigos) e obter o máximo possível de informações. Para a invasão. Há pouco de humanista no interesse dos exploradores, em especial dos militares, que já não escondem os interesses econômicos que os movem, sendo empregados por uma grande mineradora (as multinacionais serão ainda mais descaradas que na era Bush). O metal que desperta o novo bulionismo é o unobtanium, raríssimo no universo e abundante neste planeta.
Jake Sully perder-se-á na selva em sua primeira missão e será salvo por Neytiri, futura líder espiritual de um clã Na’Vi. A partir daqui inicia-se um Pocahontas ou Dança com Lobos futurista, mas previsível. Teremos uma ampla visão da relação dos invasores e dos nativos com o planeta vivo, uma extrema sublimação da visão romântica dos indígenas, criada após sua quase extinção. Todos os Na’Vi são Iracemas dos lábios de mel ou Peris corajosos, completamente integrados ao seu planeta, como nossos índios à natureza, como nos ensinam no Dia do Índio. A pureza dos nativos cria o sentimento antiimperialista diante da inevitabilidade da invasão por interesses econômicos. Entenderão os americanos que a mensagem é contra eles mesmos?
É inevitável o romance entre o alienígena espião e a nativa sábia e forte. Como toda ficção científica, esta não deixa de ser um estudo sobre o passado. Como ocorreu e como poderia ter ocorrido. Aqui vemos a importância de um grande líder, capaz de unir os mais variados clãs e conclamar a própria natureza a defender seu mundo dos invasores. O fato é que não foram os europeus que escravizaram os negros e dizimaram os índios: os próprios negros do litoral escravizaram e entregaram aos europeus os membros da tribos inimigas. Os próprios indígenas do litoral apoiaram os europeus na conquista do continente, destruindo as tribos inimigas. Em Pandora os clãs superarão suas diferenças para enfrentar o invasor. Como teria sido nosso passado, se nossos aborígenes tivessem feito tal escolha?
Desde minha adolescência pretendia escrever um conto futurista sobre invasores alienígenas que se revelassem nossa própria espécie. Seria um tanto diferente de Avatar, mas a mensagem é semelhante: talvez façamos tantos filmes de invasão alienígena a nosso planeta porque atribuamos às raças de outros mundos nosso próprio princípio de pilhar e destruir tudo à nossa volta.
Avatar é uma grande realização do empenho conjunto de atores, produtores, roteiristas e artistas gráficos. Um filme que, a despeito de ser comercial, não esvazia o discurso do seu diretor e faz pensar. Ideal para quem busca no cinema a emoção de todos os sentidos e da inteligência, e quer sair da sala com uma sensação de que algo mudou. Não apenas na tecnologia cinematográfica.

Socó Pombo

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