
O que mais me alucina é um olhar triste quando quer sorrir. Um sapato distante do seu par também me alucina. Como a companhia de uma solidão a dois. Maria é professora de português. Profere que gosta de minhas palavras; mas, segundo ela, só escuta o silêncio de minhas frases. Diz que minhas palavras me calam, enquanto penso que elas expressam-me.
Um escritor se faz com os silêncios de suas palavras.
No amor alucino qualquer razão para que o declarar seja intenso. A palavra nuança o amor, nubla o amor. O amor insinua-se rubor na face, cerrar de pálpebras num último aceno, insinua-se despedida para ser logo acolhido. O amor deseja ser embalado pelos silêncios das cantigas de ninar. Quem nunca confessou o amor apenas com a ternura do olhar? Quem nunca cantou sua canção favorita sem um rumor sequer? Quem nunca leu um poema nos olhos da pessoa amada?
Palavra não quer dizer intimidade. A intimidade possui outras vestes, diferente do amor. O amor se veste com adequada nudez. No amor nem toda centelha é fogo. Seu rosto de noite é travessura. Ebriedade. Seu rosto de noite é solidão. Seus cílios se afeiçoam a tristeza, se afeiçoam a loucura. A loucura é sua melhor razão. Maria diz saber ouvir o dormir de minhas palavras. O rumor da palavra apenas assusta a ternura, continua.
Quanto às palavras, eu as cultuo como a um deus. As palavras vestem a ternura, dão-lhes trajes de festa. Em silêncio a linguagem ajoelha-se para melhor rezar a palavra pecado. No silêncio da palavra pecado é onde reside a sua santidade. No silêncio do amor os amantes melhor se ouvem.
Maria chora em silêncio um amor que não teve. Minha poesia chora em palavras por um dia que não houve haver.
Alessandro Palmeira
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