sexta-feira, 25 de setembro de 2009

De Processos, Excessos e Retrocessos

Pintura de André Durand - Giordano Bruno
“Federico Garcia Lorca nasceu na região de Granada, na Espanha, em 05 de junho de 1898, e faleceu nos arredores de Granada no dia 19 de agosto de 1936, assassinado pelos "Nacionalistas". Nessa ocasião o general Franco dava início à guerra civil espanhola. Apesar de nunca ter sido comunista - apenas um socialista convicto que havia tomado posição a favor da República - Lorca, então com 38 anos, foi preso por um deputado católico direitista que justificou sua prisão sob a alegação de que ele era "mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver." Avesso à violência, o poeta, como homossexual que era, sabia muito bem o quanto era doloroso sentir-se ameaçado e perseguido. Nessa época, suas peças teatrais "A casa de Bernarda Alba", "Yerma", "Bodas de sangue", "Dona Rosita, a solteira" e outras, eram encenadas com sucesso. Sua execução, com um tiro na nuca, teve repercussão mundial.”
Extraído do site www.releituras.com

É parte da profissão de escritor (ou melhor, da vocação) tornar-se perigoso. Escrevendo, quebramos as palavras, seus sentidos e suas sentenças, e com seus cacos ferimos a estática da vida comum. Em especial nestes tempos de arrefecimento dos credos, de canais dedicados a arrancar dízimos, de rádios voltadas para barulhos cada vez menos música. Tempos de saber e de som cada vez mais escassos. De ignorância e barulho sempre mais presentes. Quando a pobreza de espírito e a carência de coragem tornam as mentes vazias como um cântaro, cabe a nós enchê-lo com nosso vinho e nosso veneno.
Sim, e apenas o veneno da inquietude pode matar a sociedade que se constrói nestes tempos de medo e ódio. Medo de ousar, ódio ao novo e diferente. Não demora a época em que se criará um Ministério da Fé, da Moralidade e Bons Costumes, a exemplo do Afeganistão dos Mujahedin. Padre Marcelo titular e Pedir Mais Cedo (digo, Edir Macedo) adjunto. Censura religiosa já é um fato: apenas igrejas cristãs têm direito a espaço na TV, apesar de ser uma concessão pública de um estado laico. Nos grandes veículos de comunicação apenas a opinião compatível ao clero circula livremente. Músicas que censuram o comércio da fé já foram censuradas na rádio Pajeú de Afogados da Ingazeira, por exemplo. Se a direção nega o que digo, prove: deixe que o povo ouça a música “No comércio da fé Jesus não passa de um produto vendido a prestação”, dos Nonatos.
Jornalistas denunciam as falcatruas de certos bispos e fiéis acorrem a ocupar a justiça com processos contra a liberdade de expressão.
Não demora, e teremos leis no Congresso tentando proibir os estudos biológicos à luz do evolucionismo para lançar os estudantes nas trevas do criacionismo. Quiçá não votem uma lei decretando que a Terra seja o centro do universo, liso e plano. E decretos instituindo que não-cristãos não têm alma e, portanto, também não têm direitos. Já vem lá a educação religiosa nas escolas, logo haverá um índex de livros proibidos para os estudantes, de verdades não ditas.
E tal cenário será o ideal para nós escritores, pois é quando o saber é ameaçado pelo abismo da incompreensão, quando os ódios exacerbados ditam o comportamento e o pensamento das massas, quando o retrocesso se avizinha do atraso, que cabe a nós escrever, nas palavras de Pilar del Río, “um libro que não nos vai deixar indiferentes, que provocará nos leitores desconcerto e talvez alguma angústia, porém, amigos, a grande literatura está aí para cravar-se em nós como um punhal na barriga, não para nos adormecer como se estivéssemos num opiário e o mundo fosse pura fantasia”.
Quando a regra tornar-se a negação da verdade, a fuga da realidade, caberá à ficção despertar do torpor os seres humanos, mostrando a música que não poderá ser calada.
Sim, que venham as perseguições, as fogueiras, pois nosso martírio sem recompensas será mais sincero: não estamos à espera de uma vida eterna. Não nos seduz a idéia de santidade. Não buscamos substituir os ídolos, mas destruí-los.

Amâncio Siqueira

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