
Sobre o Phallos: "O gênio e o louco num ponto se assemelham: ambos vivem em um mundo diferente daquele em que vivem os outros mortais."
Um espaço para múltiplos orgasmos criativos. Insano frenesi de mentes divagantes.
Tic Tac,
Grita insistente o relógio;
Matando os homens,
Jogando-os para a velhice,
Enterrando-os no esquecimento.
Tac tic,
Escuta o atrasado,
Sem saber que em dois segundos
A travessia de uma avenida
Tornar-se-á fatal.
TAC...
O poeta desliga o relógio;
A ele não importa o tempo.
Só importa a inspiração
no momento em que se debate com Sofia.
Mata agora o tempo com a eternidade.
Márcio Jardson
Sopa Francesa (pode-se comer com colher; é preferível, porém, sorvê-la diretamente do prato. Deve ser servida morna)
- Num grande caldeirão:
- Derrame dois litros de Vitor Hugo,
- Duas xícaras de Stendhal,
- Três punhados de Balzac,
- Quatro filés de Sartre refogados em Beauvoir,
- Um Marquês de Sade bem picado,
- Meia Duras em rodelas,
- Uma pitada de Mallarmé,
- Rimbaud a gosto,
Leve ao fogo brando durante seis horas a fio na madrugada.
Adicione:
- Dois bifes de Zola e um filé de Voltaire moídos.
Leve novamente ao fogo da aurora ao crepúsculo.
Bebidas para acompanhamento:
- Vinho Verlaine 1877;
- Champanhe Baudelaire 1865.
A velhice (tal é o nome que os outros lhe dão)
pode ser o tempo de nossa felicidade.
O animal morreu ou quase morreu.
Restam o homem e sua alma.
Vivo entre formas luminosas e vagas
que não são ainda a escuridão.
Buenos Aires,
que antes se espalhava em subúrbios
em direção à planície incessante,
voltou a ser La Recoleta, o Retiro,
as imprecisas ruas do Once
e as precárias casas velhas
que ainda chamamos o Sul.
Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas;
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar;
o tempo foi meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
flui por um manso declive
e se parece à eternidade.
Meus amigos não têm rosto,
as mulheres são aquilo que foram há tantos anos,
as esquinas podem ser outras,
não há letras nas páginas dos livros.
Tudo isso deveria atemorizar-me,
mas é um deleite, um retorno.
Das gerações dos textos que há na terra
só terei lido uns poucos,
os que continuo lendo na memória,
lendo e transformando.
Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte
convergem os caminhos que me trouxeram
a meu secreto centro.
Esses caminhos foram ecos e passos,
mulheres, homens, agonias, ressurreições,
dias e noites,
entressonhos e sonhos,
cada ínfimo instante do ontem
e dos ontens do mundo,
a firme espada do dinamarquês e a lua do persa,
os atos dos mortos,
o compartilhado amor, as palavras,
Emerson e a neve e tantas coisas.
Agora posso esquecê-las. Chego a meu centro,
a minha álgebra e minha chave,
a meu espelho.
Breve saberei quem sou.
Jorge Luís Borges