terça-feira, 2 de março de 2010

Não tem graça


O senso-comum condiciona-nos, no mais das vezes, à aceitação da repetitividade como recurso imprescindível à compreensão de dada realidade, tornando assim a nossa convivência em sociedade escrava de regras e prendendo-a ainda mais ao temor do original, da mudança brusca, do que é revolucionário e, consequentemente, daquilo que não pode ser facilmente digerido pelas pessoas que têm preguiça de pensar (a maioria delas é condicionada a isso).
O humor brasileiro mostra que o vírus da repetitividade, da falta de criatividade, tem contagiado todas as células criativas da nossa cultura. O sábado à noite acabou transformando-se num festival de humor de reprises inéditas, as mesmas piadas (já sem graça desde a primeira vez) regravadas, com atores usando figurinos diferentes e a mesma cara de pau. E, pasmem, A praça é Nossa e Zorra Total são grandes campeões de audiência, seguidos de perto pelo Show do Tom, que já mostra a tendência de seguir o modelo. Globo, SBT e Record, unidos para contribuir de forma ativa com a destruição do pensamento crítico. Havia um quadro na zorra que foi totalmente trucidado, até ser cortado, no qual se apresentava algo de original. Os brasileiros já não conseguem rir da crítica bem-humorada e ácida centrada nos acontecimentos da atualidade. Seres sem consciência e acríticos não podem interagir com o humor consciente e crítico. As pessoas simplesmente já não são capazes de entender Chico Anísio.
É comum ouvir-se nas ruas as mesmas frases sem graça que alimentam o humor do ignorantes: Ô coitado; não espera eu molhar o bico; eu te amo, meu tchutchuco; dá uma subidinha; cuecão de couro; ô manôoo; vou dar porrada; tô pagano, entre outras. Além, é claro, dos quadros com torta na cara ou baldes d'água na cabeça, herdados das comédias pastelão americanas do início do século passado e passadas de maneira fiel e sagrada de geração em geração, e que ganham grande ênfase no humor idiotizante das novelas globais e nos programas para crianças dementes dos domingos pela manhã.
O mais triste é perceber que até mesmo o Casseta & Planeta, que foi o melhor grupo de humor brasileiro, também sofre com isso, já que os quadros de maior sucesso junto ao público obedecem o esquema Globo de loby: funciona como um videoshow de “humor”, propagandeando as novelas e reality shows da emissora. Há muito ficaram de lado os quadros críticos e a avaliação de conjunturas.
Os programas ditos independentes seguem outro caminho: defendem que humor adulto significa humor semi-pornográfico. E aumenta o volume de baixaria sem conteúdo abundando nos meios de comunicação.
Diante da decadência do nosso humor e de nossa incapacidade de rir de piadas inteligentes, resta assistir esse tipo de besteirol e rir para não chorar.

Socó Pombo

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