sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Paraíso



“Por que aqueles que pregam o paraíso em outro mundo têm que transformar esse mundo num inferno?”

Amâncio Siqueira

O romance Paraíso, da escritora americana vencedora do Pulitzer e do Nobel Toni Morrison, é um retrato belamente sujo de um país que raramente aparece nos cinemas e romances: os Estados Unidos segregacionais rurais da América. Através da história de uma pequena cidade de negros evangélicos chamada Ruby, e de seu conflito com mulheres fugitivas que vivem juntas num convento abandonado, podemos presenciar a outra história daquela nação, num recorte dos anos sessenta e setenta bem distante dos ideias da geração beat e de woodstock. Uma história de luta e sangue, ódio e preconceito.

Os longos capítulos trazem como título nomes femininos, na maioria deles das mulheres que se refugiam no convento, e vez por outra da cidade ou de uma moradora. Os capítulos variam da objetividade histórica ao devanear do fluxo e consciência, e dão voz e personalidade às personagens. Cada uma com uma dor, um abandono, um motivo para fugir, desde o marido violento até o namorado que a troca pela mãe.

Mulheres que aprendem independência como modo de vida passam a causar estranheza nos habitantes de Ruby, fanáticos cristãos como quase noventa por cento dos habitantes do meio rural norte-americano, que acreditam fervorosamente que receberam uma missão divina: criar um paraíso na Terra.

Quando as poucas famílias, fragilizadas pelos inúmeros casamentos consaguíneos, começam a gerar filhos deficientes, a culpa recai sobre a devassidão e a bruxaria que vêm do convento. O conflito entre a fé e o profano é apenas uma superideologia, que maquia conflitos étnicos, sociais e políticos, além de uma guerra dos sexos prestes a conclamar os homens conservadores de Ruby à batalha contra a liberalidade destas mulheres.

Negros que fugiram da lei dos brancos recorrerão a esta mesma lei para perseguir e expulsar as indesejadas?

Morrison por alguns momentos parece perder o fio da narrativa e mesmo seu objetivo, porém no fim percebemos que a história, em seus acasos e sobressaltos, se faz sozinha. Com belíssimas imagens e uma maestral narrativa não-linear e de vários pontos de vista narrativos, Paraíso é um romance indispensável para os já iniciados no romance denso e estilisticamente complexo.

Socó Pombo

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