segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Escrita automática e pé na estrada

Capa do livro On The Road, de Jack Kerouac. Legenda: Esta é a bíblia da “geração beat” – o explosivo bestseller que diz tudo sobre a atual juventude selvagem e sua procura frenética por Experiência e Sensação.

“Não é verdade que se começa a vida sob as asas do pai feito uma criança singela que acredita em tudo? E então chega o dia quando o cara se descobre um desgraçado, um infeliz fraco, obscuro e nu, e com a aparência de um fantasma fatigado e fatídico, avançando trêmulo pelos pesadelos da vida.”
Jack Kerouac
On the Road, romance de Jack Kerouac, não se trata apenas de um clássico da geração beat, ou mesmo de um tratado do modo de vida hippie. É um livro marcante, que trata com profundidade existencialista a superficialidade das vidas de jovens que buscam seu lugar no mundo. É um retrato sincero e, portanto, não muito romântico, da geração pós-segunda guerra, que precedeu o sonho de paz e amor às custas de sexo e drogas livres.
Há um vazio nas vidas de seus personagens, que não consegue ser preenchido pelas belas paisagens norte-americanas. Viajando de leste a oeste, desviando caminho pelo sul, entre as grandes e pequenas cidades, de Nova Iorque a Los Angeles, Sal (o personagem-narrador) e seus amigos e suas namoradas não são meros turistas, vislumbrando apenas a superficialidade dos pontos turísticos. Terão que trabalhar para manter sua independência. Seu espírito aventureiro será sustentado pela colheita de algodão, pelo trabalho nas ferrovias ou estacionamentos. Chegarão mesmo a ser vigilantes, esses mesmos que não querem ser vigiados.
Ao iniciar a leitura, talvez o leitor pense que a primeira parte é muito caótica. Ilusão logo desfeita pela segunda parte, a que mais recomendo. Esta sim é caos em estado bruto, literatura à flor da pele. Viagens menores dentro da grande viagem da vida. Sal parece encontrar sua maturidade, ou ao menos reconhecer sua confusão, o vazio que o permeia. A partir daqui, viajando ao lado de Dean e seus amigos, sem precisar de carona (revesam a direção de um hudson 1949, até finalmente destruí-lo), as paisagens abertas serão muitas vezes superadas pelo horizonte interior, pelo desejo de compreender. O anseio de ser compreendido. A poesia permeia os monólogos interiores, e todos os personagens monologam, a despeito de pretenderem um diálogo. Como todos os jovens, estão muito aprisionados aos seus mundos, aos seus problemas, para perceberem o outro, a não ser quando se veem espelhados neste.
São jovens sem dinheiro, sem status, que frequentam os submundos, achando-se normais entre os excêntricos de todas as eras. Como Peter Pan, buscam sua Terra do Nunca. Porém este nunca envelhecer não está em lugar algum. Sua Terra do Nunca é nunca parar. Manter-se na estrada.
Manter-se jovens.

Socó Pombo

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