segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

De criação e patrocínio ou independência e morte II




"Não seguiremos uma orientação acadêmica. Vamos destacar livros que apareçam nas listas dos mais vendidos na mídia. Pedi para que fosse organizada como livraria, mais do que como biblioteca. Até os funcionários vão se comportar como vendedores. Será uma megastore cultural."

João Sayad

Deparei-me com a seguinte notícia: “Dentro do Parque da Juventude, construído onde antes ficava o maior símbolo da precariedade do sistema prisional brasileiro, a Casa de Detenção Carandiru, é inaugurada hoje, 8 de fevereiro, a Biblioteca de São Paulo, menina dos olhos do secretário de Estado da Cultura João Sayad.”
Como bibliófilo e bibliotecófilo, corri a ver as fotos do majestoso projeto, cobiçar um dia ter um volume meu naquelas estantes, e poder percorrer seus corredores. Extrema animação a minha, até Sayad jogar um balde de água fervendo em minha alegria, com as palavras que servem de intróito para este desabafo que procura a ilusão de ser uma crônica.
Não defendo o fim dos Best Sellers ou mega Sellers, ou mesmo dos superultrapuxa Sellers. Pretendo, inclusive, um dia ser um destes. Costumo comprar e ler alguns deles. Tenho quase todos os livros do Dan Brown, por exemplo, e um dos meus livros preferidos é A menina que roubava livros, do Markus Zuzak. Dito isto, analiso a postura da secretaria de cultura de São Paulo, na pessoa do seu secretário, de destacar os livros mais vendidos.
Isso é algo preocupante. Esses livros já recebem todo o destaque possível, e ainda serão preferidos pela biblioteca. Ou seja, serão ainda mais alavancadas suas vendas, terão ainda maior destaque na mídia, perenizando-se entre os mais vendidos.
A qualidade dos livros presentes nestas listas também é algo extremamente discutível. Os livros de Dan Brown, por exemplo, carregam enredos bem-elaborados e uma carga elevada de conhecimentos, porém tudo feito para ser esquecido tão logo o livro seja fechado. Não há uma reflexão profunda dos temas, e a relevância literária jamais é alcançada. Que dizer de outros que sequer têm os pontos fortes que destaquei naqueles?
Ademais, essas listagens sofrem influência direta das listas estrangeiras, e em geral trazem como ao menos noventa por cento de seus integrantes autores internacionais (em geral de língua inglesa). As editoras brasileiras já têm a política editorial de buscar mais livros estrangeiros para publicar aqui do que o contrário, e esse passo do governo tende a ampliar esse desincentivo à produção nacional.
Sem contar o fato de que em muitos casos autores independentes são ignorados por suas opiniões contrárias a determinados grupos de interesses, não podendo publicar pelos grandes grupos editoriais, e tendo, portanto, uma distribuição precária de sua obra.
As editoras já costumam preterir autores iniciantes, imagine quando o próprio incentivo do governo pender para isso.
Cada vez mais autores independentes serão relegados ao esquecimento. E finalmente será alcançada, ao menos na cultura, a igualdade.
Por falta de ideias.

Amâncio Siqueira

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