quinta-feira, 28 de julho de 2011

A mentira que somos! Nós, os hipócritas!

Foto extraída do Flickr de Niobe.13

Estou em plena Praça Arruda Câmara, centro de Afogados da Ingazeira. Crianças correm de um lado para o outro, o vento acarinha as folhas das árvores mais copadas, uma coruja risca, velozmente, o céu. A lua, tímida, se esconde entre uma nuvem e outra. Faz frio, busco aquecer-me usando o cobertor das palavras, os questionamentos que a minha imaginação teima em rabiscar. É noite. “Zabé Galinha”, figura mítica da cidade, perambula trôpega de aguardente e abandono. Rejeita os afetos, os consolos, a moral; quer os centavos, a embriaguez, a intensidade. Rejeita os princípios, busca os precipícios. Farta da vida? Não! Cheia de vida! Mendiga para continuar vivendo! Ou seria, continuar morrendo? Há mais metafísica em Zabé que na poesia do Pessoa, há mais filosofia nela que nos enormes compêndios filosóficos escritos com exaustão pelos filósofos ao longo dos séculos. Há nela mais existência que em cada minuciosidade da Bíblia. Blasfêmia? Não! Verdade!

Devagar, com vagar, me volto para a beleza gótica da catedral, orgulho dos afogadenses, deslumbre para os olhos. Baixo um pouco o olhar, e deparo-me com a contradição, o absurdo. Nós, eu e o mendigo. A beleza e a tristeza de mãos dadas. Mendigo que ali está, de mãos separadas de toda a caridade. Eu e minhas insignificantes palavras; ele e sua fome, e seu silêncio e sua desmedida solidão. Eu e minha hipocrisia.

O silêncio do mendigo que deita sua fome; na calçada da catedral do Senhor Bom Jesus dos Remédios, possui mais eco que qualquer homilia proferida em seu interior. A gramática do seu silêncio verbaliza melhor a fé que os discursos decorados do eclesiástico. Há mais religião em seus sujos farrapos que nos rosários das carolas que transbordam indiferença. O seu estar no mundo é mais digno de louvor e reverência do que as imagens moldadas em gesso e madeira que habitam aquele lugar. Esconder-se nos muros frios e arcanos de uma religião é algo sórdido, desprezível, é indigno das chagas de cristo. Do seu morrer, do seu ressuscitar. Olhemo-nos. Não a nossa vaidade, mas a nossa mentira. Não o mundo que inventamos, mas as pessoas que de fato somos, a grande mentira que somos, a verdade que fingimos ser.

Não sei do mundo; nem de mim. Como não sei com qual ousadia me atrevo a discorrer sobre o estar das pessoas no mundo; mas não quero viver fingindo-me cego aos seus/nossos melancólicos aconteceres. E você?

Alessandro Palmeira

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