domingo, 18 de julho de 2010

Sobre questões culturais e religiosas e liberdade


A Assembleia Nacional francesa aprovou um projeto de lei que proíbe o uso em público de burca ou de outro veu que cubra o rosto. Pelo projeto, mulheres vistas em público de burca ou niqab - que deixa apenas os olhos à vista (há vestimentas que sequer deixam o olho à mostra, cobrindo-o com uma fina rede) - terão que pagar multa de 150 euros. Se um homem obrigar a mulher a usar esses veus será multado em 30 mil euros e pode pegar um ano de cadeia.

Muitos defensores da “liberdade cultural e religiosa” têm se posicionado contrários à decisão.

A mais corrente analogia que se faz mundo afora é entre a burca e o hábito das freiras. Impressionantemente, as pessoas que tecem essa tosca comparação são os defensores do viés religioso. Deveriam lembrar que as freiras não usam o hábito porque o marido manda, até porque não se casam. Também não escondem o rosto. Podem deixar o claustro quando desejarem. Algum defensor do direito dessas mulheres de exercer sua religiosidade acredita mesmo que elas podem deixar o uso do veu quando desejarem? Por que será que em Cabul, depois da queda do Talibã, mulheres deixaram de usar os veus e passaram inclusive a exibir unhas pintadas? Teriam deixado de ser religiosas?

Outro ponto importante: países de população majoritariamente islâmica já proibiram a burca em locais públicos, como a Turquia e a Tunísia. A verdade é que tal vestimenta nada tem que ver com exercício da religiosidade. Se assim fosse, os homens também a usariam. Tais vestes são utilizadas por uma regra patriarcal e arbitrária imposta por homens inseguros em relação às mulheres, que se negam a enxergá-las como seres humanos.

Ser contra a proibição de burcas por questões culturais, pelo direito das mulheres de “expressarem suas crenças”, é como ser contra a Lei Maria da Penha, levando em conta que é cultural no Brasil e América Latina chegar bêbado em casa e espancar a mulher. Tem mulher que gosta. Deve ser permitido, então?

As mulheres participam de atos violentos como a retirada cirúrgica do clitóris de meninas em determinados países. Algumas mulheres apóiam, é parte da cultura. Devemos permitir que tal aberração ocorra em nosso país?

Que tal permitir que mulheres sejam proibidas de votar ou trabalhar, desde que seja parte de sua cultura?


Quando um indivíduo gosta de algo simplesmente porque foi educado, adestrado, espancado e condicionado a gostar, cabe sim ao Estado intervir. Não duvido nada que as mulheres passem a mostrar rostos marcados por hematomas, quando se virem livres das burcas.


Evidentemente, a lei não é para proteger apenas essas mulheres. Não sou tão inocente a ponto de não perceber o lado ideológico agindo aqui. Há um contexto bem maior e mais importante, que diz respeito principalmente às mulheres europeias: os povos islâmicos se reproduzem mais rapidamente que os não islâmicos, e seus filhos migram principalmente para a Europa. Em algumas décadas, serão maioria nesse continente. Cabe às mulheres europeias (e àqueles que lhes são simpáticos) lutar contra as leis culturais islâmicas de submissão feminina, para que, quando muçulmanos forem maioria, não consigam impor suas leis com o apoio das suas mulheres.
As mulheres muçulmanas merecem o exercício do direito a votar e ser votadas, a trabalhar, e tomar decisões sobre o próprio corpo. Depois que conquistarem esses direitos, não abdicarão deles por “questões culturais”.

Aí, sim, aquelas que preferem usar um veu que lhes cubra todo o corpo, inclusive os olhos, que lhes tolha movimentos e a própria visão, que dificulte mesmo sua respiração, poderão fazê-lo, se assim desejarem. Então se saberá que o uso se dá por questões religiosas, não por imposição masculina.

Socó Pombo

Um comentário:

Anônimo disse...

Interessante, Socó Pombo, é que todos os defensores dos direitos dessas mulheres de exercerem sua religiosidade são homens. Nunca imaginei que os homens fossem tão ligados à religiosidade.
Apesar de suspeitar da religião sempre incutir na sociedade a ideia da superioridade masculina.