terça-feira, 6 de abril de 2010

De imprensas partidárias e partidarismos impressionantes

“A esse direito geral (liberdade de imprensa), o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma, incomoda sobremaneira o governo”.
Maria Judith Brito, presidente da ANJ
Finalmente alguém ligado à imprensa (mais especificamente, à Folha de São Paulo) declarou abertamente sua posição oposicionista. A declaração de Judith Brito deveria ser aplaudida por todos nós. Ao menos ela decidiu não esconder-se mais com a máscara da independência e imparcialidade, como insistem em fazer outros jornalistas, editores e âncoras.
É fato notório que a imprensa era oposicionista antes mesmo do governo atual ser situação. Dando um desconto para o risco Lula alardeado pelos órgãos de imprensa, buscando evitar sua eleição, analisemos o pós. Uma semana após a primeira eleição de Lula, a Veja já trazia extensa matéria sobre os “dinossauros do PT”, ou seja, políticos contrários ao neo-liberalismo. E essa foi uma das edições mais imparciais dos últimos sete anos.
Imprensa a serviço de interesses particulares não é novidade em nenhum lugar do mundo. Lembro claramente do caso do Antraz espalhado em cartas nos Estados Unidos, e que serviu muito bem para a campanha de apavoração da população norte-americana após o onze de setembro. Toda a mídia falava a respeito, até que se descobriu que os agentes biológicos haviam sido produzidos em laboratórios americanos. De repente, as notícias sobre as cartas mortais desapareceram. Não era do interesse do governo americano que o “terror” viesse de dentro. Só se vende guerras contra inimigos externos. De preferência, com petróleo. E com religião diferente da nacional.
No Brasil, na falta de inimigos externos, os partidos contrários são a religião diferente, o inimigo. E o governo é o petróleo.
Os dossiês têm ocupado as manchetes eleitorais nos últimos pleitos, e podemos ver aqui claramente o uso que a imprensa tem feito deles: Quando a candidatura de Roseana Sarney ameaçava Serra na preferência dos eleitores da direita, o caso Lunus estourou, vazado por um delegado federal ligado ao PSDB. Tomou-se conhecimento do dinheiro guardado no cofre do esposo de Roseana, que teve sua candidatura tolhida. Meses depois, descobriu-se conversas do delegado com jornalistas responsáveis por espalhar rapidamente a notícia e o dossiê Lunus. Atitude plenamente ilegal, embora pareça que a imprensa esteja na prática acima das leis, mais ainda que os primeiros três poderes.
Veio o caso do dossiê contra o PSDB (Serra não era candidato à presidência, embora a imprensa já requente a notícia como dossiê anti-Serra). De repente, a guinada na forma de ver as coisas. Não era mais o conteúdo do dossiê que importava, mas seus “fins espúrios”. Ou seja, não havia interesse público em saber por que tal dossiê (que a Globo imediatamente passou a chamar de “falso”) valeria mais de um milhão e meio de reais. Ou por que havia um filiado do PSDB participando do leilão. Isso mesmo, quantas pessoas sabem que não era apenas uma compra, mas um leilão pelo dossiê, do qual participaram membros do PT e do PSDB? Aliás, alguém sabe o teor do arquivo? Falsas fotos e documentos? Por quase dois milhões de reais? Qualquer pessoa com conhecimentos básicos de informática cria falsificações por quinhentos reais. Na verdade, montagens são feitas todos os dias por mera diversão na internete.
Em seguida surgem denúncias sobre o uso de cartões corporativos. Surge um dossiê sobre o uso do governo anterior. Ora, à imprensa só interessa a oposição ao governo atual. O público não tem interesse em saber como era antes, e sim em saber quais os funcionários que vazaram as informações. Ou não? Bem, cabe à imprensa decidir qual o público interesse, certo?
Surge um funcionário acusando Palocci. É louvável seu cumprimento do dever cívico, mesmo que o faça recebendo cinquenta mil reais de um deputado oposicionista. Mais uma vez, o público, de acordo com a imprensa, não quer saber qual o interesse do deputado na delação super-premiada do caseiro. Quer-se a cabeça de quem vasculhou as contas do delator. O interesse público é puramente oposicionista.
Não posso estender-me na máfia dos vampiros, iniciada no ministério de Serra, esquecido pela imprensa, ou do mensalão mineiro, primeiro laboratório de Marcos Valério. Devo ressalvar aqui apenas a diferença de metodologia dos dois governos: FHC apagava o fogo derrubando a floresta. Quando surgiram escândalos nas superintendências, ao invés de investigar-se os acusados, fechou-se as agências. No governo Lula, quando a máfia dos hemoderivados foi descoberta, além das investigações resultantes em mais de uma dezena de presos, criou-se o projeto da Hemobras. Combata-se o fogo, não a floresta.
Membros do PT são corruptos? Obviamente. Os atos trazidos a público são terríveis? Evidentemente. O que ninguém pode esquecer é que a imprensa manipulou os fatos de forma a parecer que apenas os petistas estavam envolvidos, ou que foram eles que inventaram a corrupção. Ou pior, que apenas eles sejam partido e devam ser investigados.
Nas maiores democracias mundiais a imprensa é partidária. Por que então deveria ser diferente no Brasil? - perguntar-me-á o mais arguto leitor. Não defendo tal, até por não ser ingênuo a ponto de acreditar que seja possível imprensa imparcial. Poderíamos inclusive dizer que a soma de alguns interesses particulares compõem um interesse público. Ou que os interesses particulares têm sua razão de ser e são legítimos. O que não se pode dizer é que é correto levantar a bandeira do interesse público, quando não se está em defesa de todo o público. Ou quando esse público é manobrado cuidadosamente para assimilar interesses particulares como seus fossem. Ser partidário e imparcial é tarefa impossível. Ser partidário e afirmar-se imparcial é vileza.
Por isso, mais uma vez parabenizo essa jornalista que se assumiu de oposição. Talvez a maior imparcialidade de que sejamos capazes seja a imparcialidade de dizer: sou parcial.

Amâncio Siqueira

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