quinta-feira, 7 de julho de 2011

PROGRAMAÇÃO DE LITERATURA DO SESC NO FESTIVAL DE INVERNO

Marina Colassanti será uma das escritoras presentes

O tradicional Festival de Inverno de Garanhuns terá início na próxima semana e estará recheado de atrações para os amantes da literatura, cortesia do Sesc Garanhuns. Veja a programação abaixo.

Dia: 16

Hora: 16h

Mesa: Olhares sobre Lilith – Interface entre literatura e cinema

Conversa com Alice Gouveia, Cida Pedrosa e Tuca Siqueira.

- Presença das 22 diretoras cineastas participantes do projeto

- Participação especial do escritor Marcelino Freire (PE/SP)

Dia: 17

Hora: 16h

Lançamento do Prêmio Sesc de Literatura 2011

Convidados: Mário Rodrigues (Garanhuns-PE), Menção Honrosa do Prêmio em 2009 e Flávia Tebaldi Queiroz (RJ) Técnica de Literatura do Departamento Nacional do Sesc. Participação especial dos vencedores do Prêmio 2010, Arthur Martins Cecim (PA) e Luisa Geisler (RS).

Provocação de José Manoel Sobrinho coordenador de Cultura do Departamento Regional do Sesc-PE

Dia: 21

Hora: 16h30

Leitura de escritor com Ésio Rafael, Jorge Filó, Sandoval Ferreira e Chico Pedrosa

Provocação de Edison Roberto

Dia: 22

Hora: 16h

Conversa com Bráulio Tavares (PB / RJ) e Oliveira de Panelas (PE)

Dia: 23

Hora: 15h30

Recital com o grupo Vozes Femininas (PE)

Hora: 16h

Conversa com Marina Colassanti (RJ) e Luzilá Gonçalves (PE)

domingo, 29 de maio de 2011

Gritos inaudíveis que ressoam no âmago


No seu Mundo como Vontade e Representação, Schopenhauer, ao discorrer sobre arte, toma como exemplo a escultura clássica Laocoonte, e discorre sobre as motivações do artista para esculpir sua figura central sem uma expressão de quem grita: “Nas artes plásticas, a representação do grito em si mesmo é completamente deslocada, completamente impossível; por conseguinte, a condição do grito – isto é, essa abertura violenta da boca que transtorna todos os traços e todo o resto da expressão – tornar-se-ia realmente incompreensível, visto que desta maneira e decididamente à custa de muitos sacrifícios apenas se representaria o meio, enquanto que o fim verdadeiro, o próprio grito e o seu efeito sobre a sensibilidade, permaneceria por exprimir.”

Teria Edvard Munch lido estas palavras? Teria encarado-as não como uma verdade, mas como um desafio para o artista? Teria passado os dias e as noites imaginando uma “abertura violenta da boca que transtorna todos os traços e todo o resto da expressão”? Não sei. Entretanto, tenho certeza de que Schopenhauer teria mudado de opinião se tivesse visto o quadro O Grito (Skrik), do pintor norueguês, desde que o filósofo alemão abrisse mão de seu classicismo.

Datado de 1893, a pintura símbolo do Expressionismo parece prever o século vindouro, o século da massificação. Massificação da tecnologia, das linhas de produção, do consumo e da guerra. Massificação da morte nas trincheiras, gulags e campos de concentração. Massificação do pensamento.

O pintor escreveu a respeito da experiência que o inspirou a pintar sua obra-prima, nascida O Desespero, na qual a figura central era um homem de cartola, sendo esta versão seguida por diversas outras, até a figura andrógena totalmente desfigurada da versão mais popular:

“Passeava com dois amigos ao pôr-do-sol – o céu ficou de súbito vermelho-sangue – eu parei, exausto, e inclinei-me sobre a mureta – havia sangue e línguas de fogo sobre o azul escuro do fjord e sobre a cidade – os meus amigos continuaram, mas eu fiquei ali a tremer de ansiedade – e senti o grito infinito da Natureza.”

A figura humana aparece “completamente deslocada”, a abertura de sua boca transtorna a própria natureza à sua volta, enquanto a doca de Oslofjord e os homens que passam permanecem indiferentes.

A impossibilidade da pintura de exprimir o grito é exatamente onde reside a força do quadro, sua poderosa carga dramática. O grito mais desesperado passará sem que ninguém esteja atento ao seu barulho. Haverá o barulho do trânsito, das telecomunicações, das máquinas, metralhadoras e bombas. O barulho ensurdecedor da propaganda a determinar como deve comportar-se o homem moderno. Diante disso, o homem que se entende indivíduo deslocado das massas gritará mais e mais, e mais e mais será ignorado.

Contudo, tal grito não cessará, pois é um grito da vontade, um terrível grito da natureza. Creio que Schopenhauer jamais teve acesso a uma obra que tivesse tanta relação com sua teoria estética, que exprimisse tão grandiosamente a marca do gênio, esse ser capaz de exprimir não um conceito, mas uma ideia. Uma ideia que pudesse resumir todo um século por vir, embora não pudesse jamais ser resumida apenas a esse século. Uma ideia que ecoaria ainda por milênios.

Era necessária uma forma de arte absolutamente silenciosa para que esse grito desesperado pudesse ser ouvido.

Socó Pombo

terça-feira, 17 de maio de 2011

São Pecador Lançado em Garanhuns

Na próxima quinta-feira (19), a partir das 20h, estará sendo lançado no Sesc Garanhuns, através do Laboratório de Autoria Literária Luzinette Laporte, o livro O Evangelho de São Pecador, de autoria do escritor Amâncio Siqueira.

O evento acontecerá no Salão de Eventos do Sesc, e contará com a participação do violonista Francis Ferreira.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

De Direitos Humanos, censuras, deferências e Renascimento


“Antes a grande superpotência do seu mundo, o Irã passou a maior parte dos últimos dois séculos sendo saqueado, colonizado e humilhado pelos impérios europeus. Como uma nação xiita numa região dominada por governos árabes sunitas, o país também se sente cercado teologicamente.”


Robert Kagan


Recentemente o acadêmico Paulo Coelho divulgou nota baseada em emeio recebido do seu livreiro no Irã, Arash Hejazi, informando que seus livros haviam sido proibidos naquele país. A ministra da Cultura brasileira, Ana de Hollanda, assim como o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, apressaram-se a tecer comentários reprovadores sobre a atitude do governo iraniano e afirmaram que buscariam impedir a censura ao Coelho.
Um trecho da nota da embaixada iraniana no Brasil negando a censura diz mais sobre a situação no Irã do que as notícias anteriores:
“Infelizmente, esta noticia fora criada e planejada por Arash Hejazi (indivíduo acusado do homicídio da Sra. Neda Aghar Soltan depois das últimas eleições presidenciais, o qual é o principal suspeito e que encontra-se neste momento foragido e procurado), com a colaboração e orientação de agentes dos Estados Unidos da América e Israel, em consonância com um plano global com o intuito de manchar a imagem do Irã, cujo aproveitamento político busca falsificar a verdade. Infelizmente conseguiram juntar-se a personalidades e autoridades no propósito desta armadilha.”
Neda Aghar Soltan foi morta pelas forças governamentais durante protesto contra a corrupção na reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, com um tiro que lhe acertou o coração. Arash Hejazi estava ao lado dela no protesto e tentou salvá-la. Há vídeos que mostram o momento da morte dela, enquanto seu amigo tenta estancar a hemorragia. A teocracia muçulmana ignorou que ele estava desarmado e tentando salvá-la, ignorou o vídeo, ignorou a prova balística e os disparos da polícia, ignorou os direitos humanos e a verdade. Arash vive exilado, pois se for preso será sumariamente condenado à pena de morte, a exemplo do que aconteceu com Sakineh, que ainda não foi executada por pressões internacionais.
O Irã não precisa de um plano global para manchar sua imagem. Eles sabem fazer isso muito bem. Suas eleições foram ainda mais fraudulentas que a de George Bush, ditadas pelo aiatolá Khamenei, o verdadeiro governante do país. Seu antecessor, o líder da Revolução Islâmica aiatolá Khomeini, deixou bem claro o que pensam os teocratas sobre democracia e direitos humanos: “Sim, nós somos reacionários, e vocês são intelectuais iluminados: vocês, intelectuais, não querem que nós voltemos 1400 anos.” Ele tinha razão. Os únicos intelectuais que recordo terem a intenção de voltar mil e quatrocentos anos foram os renascentistas europeus, que buscavam resgatar o passado de esplendor jônico.
Abu Musab Al-Zarqawi, a exemplo de outros líderes islâmicos fundamentalistas, repudia a democracia, pois “o legislador que deve ser obedecido na democracia é o homem, e não Deus.” Eleições transformam o “homem, fraco e ignorante, parceiro de Deus na Sua prerrogativa mais importante e divina – a saber, governar e legislar.” Eles creem mesmo que há homens que falam por deus, que o ouvem e sabem exatamente o que ele quer. E tais homens sabem que seu deus quer sangue e ranger de dentes, que repudia tudo que é novo, inclusive direitos iguais para as minorias. A existência de tantos líderes que se arrogam a prerrogativa de estar acima do legislador humano, como canais diretos para captação da vontade divina, gera distorções para as relações internacionais difíceis de serem solucionadas, pois seu argumento trata discordâncias como blasfêmia, e qualquer opositor como um canal direto para captar a vontade do Diabo.
Tal noção não está presente apenas em alguns países do Oriente Médio, espalhando-se pelo extremo oriente, África e América. O grupo islamista radical al-Shabab proibiu o aperto de mãos entre homens e mulheres na cidade de Jowhar, no sul da Somália. Além de proibir o aperto de mãos intersexual, a organização também vetou conversas em público e até o caminhar lado a lado entre homens e mulheres sem laços familiares. O governo do al-Shabab afirma que todo aquele que for flagrado descumprindo as regras será julgado segundo a lei islâmica, a Sharia, mesma lei utilizada pelo Talibã no Afeganistão.
A Tunísia, Cartago na antiguidade e atualmente um país de governo islâmico, começou a viver uma forte turbulência social, quando jovens e estudantes iniciaram protestos contra os altos índices de desemprego nas ruas da capital Túnis. As manifestações logo tomaram vulto e assumiram uma conotação política, criticando a falta de liberdade política no país.
O governo se viu obrigado a agir. Em meio a pedidos de calma à população, o então presidente Ben Ali anunciou o fechamento de universidades e escolas, enquanto o Exército saía às ruas para frear as manifestações. Passaram a haver confrontos regulares, gerando um número ainda incerto de mortos, mas que já passa de 70, segundo dados do governo. Ben Ali deixou o governo e saiu do país, e o novo governo não parou a repressão aos protestos. Há países de maioria muçulmana que vivem democracias, a exemplo da Turquia, mas esse número era maior quando do fim do Império Otomano.
Diante de tantas violações aos direitos humanos, a literatura perde até um pouco da importância, e estranhou-me especialmente a deferência da prontidão em defender Paulo Coelho, quando tantos outros autores brasileiros são censurados no Irã. Não seria mais positiva uma tentativa de inserir outros escritores nacionais nas livrarias iranianas, como Milton Hatoum, Cristovão Tezza, Chico Buarque, Raimundo Carrero ou Alessandro Palmeira? Ou pedir mais transparência nos procedimentos governamentais em áreas como segurança e direitos humanos?
Não é minha intenção afirmar que o modo ocidental seja melhor que o oriental. Considero a democracia política uma aristocracia mais dispendiosa, com um povo que não toma decisões, mas cujas eleições consomem orçamentos enormes. Sequer a negação do sangue azul foi capaz de impedir o luxo dos governantes. Uma ditadura da maioria como a imposta pela maioria cristã em países do continente americano não é muito diferente da imposta por uma minoria. Basta lembrar que em alguns países latino-americanos mulheres são proibidas de abortar mesmo se o feto tiver origem em um estupro. No país que se considera a lâmpada da democracia no mundo seu ex-presidente George Bush pai declarou que os ateus não deveriam ter cidadania americana, pois seu país fora fundado com base no cristianismo. Os pais fundadores discordariam, mas quando o filho invadiu o Iraque baseado num sonho em que deus lhe disse que o governo de Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa (o que leva a crer que deus anda mal informado e talvez precise atualizar seu sistema de onisciência) a fidelidade à coerência histórica por parte do pai fica em último plano. As religiões abraâmicas não receberam esse nome por acaso: as crianças aprendem com o exemplo do patriarca que, quando deus dá uma ordem, não cabe questionamento, ela deve ser cumprida, mesmo que seja para matar o próprio filho. E as pessoas não param de receber ordens divinas, transmitidas em frequências diferentes para judeus, cristãos e muçulmanos, mas sempre com pedidos de sacrifício.
Pesquisas em países asiáticos indicam que as populações preferem bem estar a liberdade, desenvolvimento a eleições. Não tenho certeza que nosso jeito seja o jeito certo, e estou certo de que impor democracia goela abaixo é um atentado à autodeterminação dos povos.
Contudo, ditaduras violentas para seu próprio povo também são atentados à autodeterminação dos povos. Que povo autodeterminaria levar noventa e nove chibatadas por trocar apertos de mão ou usar calças? Como autodeterminar-se quando a própria menção a uma escolha é proibida?
Penso que a maneira europeia de tratar as relações internacionais seja mais positiva que a maneira americana, em especial em relação a nações com apego maior à religião. O sistema puramente punitivo tende a criar maior atavismo, um repúdio mais profundo e duradouro a influências estrangeiras, vistas como interferência não de um povo igual, mas de um poder hostil. Uma política integracionista, com incentivos ao exercício pleno dos direitos humanos, conseguiu integrar sessenta milhões de turcos à União Europeia. Aliás, a atual política internacional europeia em muito diverge do que foi em séculos anteriores. Não custa lembrar que o Islã tem hoje quase a mesma idade que tinha o cristianismo quando os europeus lançaram-se às cruzadas. Inclusive São Luiz tinha como um dos principais objetivos em sua cruzada destruir os vestígios da biblioteca de Alexandria, o qual teria sido plenamente cumprido não fosse pelo senso de conservação dos sábios árabes.
Assim como foi função dos muçulmanos preservar livros antigos da sanha religiosa dos europeus no passado, e transmitir essa sabedoria na clandestinidade, talvez seja nosso momento de retribuir o favor, permitindo aos nossos irmãos muçulmanos que conheçam uma sabedoria diferente, não por meio de uma imposição que instigue a desconfiança, e sim por meio de uma cooperação que incentive a boa vontade e a cooperação.
O Islã está próximo da idade em que iniciamos nosso Renascimento e nosso Iluminismo. Todos os povos que seguem essa religião merecem recuperar o tempo em que viviam em harmonia e tolerância entre si e com o restante do mundo. Uma civilização que nos deu Averróis e Khayyam merece o seu próprio Iluminismo.


Amâncio Siqueira

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Um rei mago


A Ceia das Cinzas

Livro Um

Capítulo Um

Os Reis Magos

(...)

Falar que chora o coração é mais que pura metáfora. Nosso coração pranteia mais do que poderiam nossos olhos suportar. Felizmente, não há vias naturais pelas quais possam esvair-se as lágrimas sangrentas que o coração derrama pelo nosso corpo quando lamuria-se no silêncio de uma dor aprisionada. Assim soluçaram os corações de Cristóbam e Felipa ao chegarem a Veneza, a belamente livre e livremente bela terra em que haviam batido ao mesmo ritmo pela primeira vez. A crônica sobrepusera-se à poesia de tal maneira que tais dias de felicidade pareciam pertencer a outros. A antiga felicidade ficou-lhes ainda mais alheada quando Cristóbam descobriu por intermédio de seu banqueiro que não havia qualquer ordem de pagamento em seu benefício. Seus corações choraram o desgosto de um paraíso perdido e de uma traição que os impediria de reavê-lo.

Somente o indulgente auxílio de Ariosto poderia salvaguardar aquela família errante. Os corações murmurando uma súplica, abalados pela expectativa, finalmente ultrapassaram a Porta Degli Angeli e viram-se cercados pelas seguras muralhas de Ferrara. A família Este transformara toda a cidade num gigantesco monumento em homenagem à arte e à ciência. Em meio à suntuosidade dos palácios e obras de arte, não era difícil identificar a simples casa de Ludovico Ariosto, com sua fachada de tijolos avermelhados e as nove largas janelas gravitando em torno de uma grande porta ovalar. Cristóbam leu a inscrição da fachada antes de bater: “Parva, sed apta mihi, sed nulli obnoxia, sed non sordida, parta meo, sed tamen aere domus”. Relembrou o orgulho que aquele homem sábio e importante guardava pela sua casa simples, porém aconchegante e, o mais importante, comprada com seu próprio dinheiro. Recobrou a esperança de auxílio de um homem simples e bom, e bateu a aldraba.

O largo e bondoso rosto de Alessandra Benucci surgiu na porta entreaberta, e logo expandiu-se num largo sorriso que os envolveu no aconchego da casa. Em poucos instantes surgia Ariosto de braços abertos, ao abraço de Cristóbam e Felipa. A simpatia entre o idoso e a criança foi mútuo. Antes que Cristóbam pudesse explicar a visita, o poeta falou-lhe:

– Lembra-te do meu poema Orlando Furioso? Acabo de receber alguns exemplares de sua edição definitiva – ao menos assim espero. Espera que já te trago um.

Daí a instantes voltou com um grosso volume ricamente encadernado.

– Dedicar-vos-ei este volume.

– Temo não poder pagá-lo por agora, Don Ludovico.

– Ora, Cristóbam. Não te devo dinheiro e nem poderia, já que não devo a ninguém. Contudo, contraí outras dívidas contigo. Vosso amor muito me inspirou, de modo que há versos nesse livro que vieram de tal fonte. Percebi que em eras de loucura é preciso lutar e amar loucamente. Quando assisti a vosso matrimônio, percebi quanto o amor é importante. Aceitai, se não como presente para vós, como um legado para vosso filho. Vosso amor motivou-me a trazer Alessandra para cá, mesmo sob o risco de perder os benefícios eclesiásticos.

– Amigo, foi nosso amor que aqui nos trouxe, em busca de tua mercê, pois ele não foi suficiente para evitar nossa ruína.

– Seria demasiado fácil acalentar um amor louco se não houvesse riscos. Os riscos e as penas nos mostram o valor do prêmio. Não merecerei ser criticado se vos der pouco, pois dar-vos-ei o que puder dar.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Boas festas repletas de livros a todos

Não é à toa que diversos deuses escolheram nascer em vinte e cinco de dezembro. Mudança de estações, renovação do ciclo solar, a natureza se altera nessa época.
Não importa se as pessoas querem comemorar o nascimento de Shiva, Jesus, Dioniso, Hórus ou do Papai Noel, ou apenas reunir as pessoas amadas em volta do fogo familiar para rememorar os que se foram e reverenciar os que se vão, abraçados aos que conosco permanecem.
Boas festas e uma nova vida repleta de prazer e sabedoria.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Estorvos de Chico Buarque


Entre os gargalos para a criação literária, há dois que podem ser indicados como os piores estorvos: nomes de personagens e soluções de continuidade.
Sobre o primeiro não há muito a esclarecer para o não escritor: se já há uma dificuldade em nomear um filho, imagine dar nome a dezenas, sem se repetir e procurando associar o nome à personalidade e ainda ser fiel à geografia e à história.
As soluções de continuidade têm a função de ligar os fatos, para transformar contos isolados em romance. O escritor tem ideias geniais a todo momento. O problema é que, via de regra, as grandes ideias são para grandes momentos, momentos de clímax dramático. Ocorre que a narrativa longa não é uma linha reta, mas um movimento de onda, e não é possível manter a história sempre na crista da onda. Entre um moinho de vento e a nomeação de Sancho Pança a governador deve haver uma ligação, uma transição em geral chata de escrever (e por isso mesmo o autor sempre acha que será chata também de ler, tentando resumi-la ao máximo).
Para estes dois problemas Chico Buarque conseguiu soluções fáceis e nada ortodoxas para seu romance Estorvo: a abolição de nomes e soluções de continuidade.
Mesmo o estorvo – digo, personagem – principal não tem um nome. São minha mãe, minha irmã, meu cunhado, a magrinha, a índia, o negro com sunga que imita uma onça, o ex-pugilista, os irmãos gêmeos, o delegado, o caseiro, a magrinha, o amigo, a irmã do colega que dava festas, a menina. Apenas o copeiro em determinado momento recebe um nome, a aqui Buarque pretende mostrar que pode ser criativo também nessa matéria: Hidrólio.
Os capítulos também se sucedem sem qualquer ligação. Há uma ordem cronológica, mas a narrativa começa e termina, não apenas em cada capítulo, como em todo o conjunto, sem que o leitor saiba de onde veio ou para onde vai.
Contudo, encarar a ausência de nomes e ligações apenas como uma cômoda solução para a escrita seria uma análise superficial e mesmo uma simplificação leviana.
Analisando mais cuidadosamente, podemos perceber que não foi a preguiça ou um apertado prazo de entrega que levou o autor a criar assim sua história. Há na ausência de nomes um distanciamento do personagem, uma ausência de emotividade que nos leva a ignorar o absurdo de sua existência. Ora, esse mesmo distanciamento há entre o personagem e sua mãe, sua irmã e os demais. Não há nomes que os identifiquem porque não há uma identificação. Na verdade, sequer o personagem consegue identificar-se a si ou consigo mesmo.
Essa falta de identificação amplia o efeito do absurdo da narrativa. Os fatos que vão nos estorvando sucessivamente estorvam ainda mais por não conseguirmos reconhecer a realidade daqueles que os vivenciam.
Em determinados momentos sequer sabemos se é o sonho ou a realidade que estorva. E o próprio personagem que narra em primeira pessoa no presente (fato que deveria nos aproximar do narrador, mas não acontece) também sente o mesmo. E eis o grande trunfo: fatos em si terríveis nos aparecem como amiúde as notícias de jornal: sem qualquer sentimento de empatia, como advindos de uma outra realidade.
Realiza-se uma crítica social não apenas das situações limite entre os estratos sociais. Uma crítica ao nosso modo vazio de viver, numa anestesia coletiva que bloqueia mesmo nossos instintos mais primevos, como o sexual e o de sobrevivência.
Estorvo é um perfeito emblema de nossa sociedade. O absurdo torna-se cotidiano e já não nos chocamos. Anônimos, já não conseguimos sentir o que o outro sente, ou sequer compreender o que nós mesmos sentimos. Mesmo que saibamos seu nome.


Socó Pombo

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

De teocracias disfarçadas e a última minoria


“Os loucos, aleijados, cegos e mudos são homens em quem os demônios fizeram a sua morada. Os médicos que curam estas enfermidades como se tivessem causas naturais são idiotas ignorantes.
As pessoas deram ouvidos a um astrólogo novato (Copérnico) que lutou para provar que a terra é que gira, não os céus ou o firmamento, o sol e a lua. Este louco quer contrariar toda a ciência da astronomia. Mas as Sagradas Escrituras dizem-nos (Josué 10:13) que Josué ordenou que o sol parasse e não a Terra.
A Razão deveria ser destruída em todos os cristãos. Ela é o maior inimigo da Fé. Quem quiser ser um cristão deve arrancar os olhos da sua Razão.”


Martinho Lutero


Para os líderes religiosos radicais, não basta elevar o vício da ignorância a virtude imprescindível para a salvação. Também precisam demonizar aqueles que não concordam com isso. Mais, fazem o caminho inverso e transformam a inteligência em pecado, a razão em apostasia, a sabedoria em heresia.
Já escrevi sobre a imposição a todos de dogmas que deveriam ser privados e sobre os problemas de uma democracia que dá às maiorias o direito de impor-se sobre as minorias. Na ocasião, alguns me acusaram de fundamentalizar os contrários ao aborto e de subverter o conceito de democracia. Poucos meses depois, vimos uma disputa eleitoral ir ao segundo turno graças a uma minoria populacional que detém um grande poder econômico e midiático e quer mandar na maioria, mudando a agenda política para tirar o foco das grandes questões nacionais e colocar em discussão opiniões sobre temas que não competem ao poder executivo, e sim ao legislativo. Os pastores evangélicos mobilizam-se para usar seu rebanho imerso na ignorância a uma cruzada para estabelecer uma nova idade das trevas, dessa vez com sermões via satélite. Os mesmos satélites que foram criados por cientistas “imorais e demoníacos” no passado.
Além da televisão, outro produto de “impiedosos filhos de Satanás” que agora serve para propagar seus preconceitos, sua intolerância e seu ódio é a internete. Milhares de emeios, postagens em blogues, fóruns e redes sociais dão o recado do fundamentalismo: não toleraremos qualquer avanço nos direitos humanos, em especial no que tange a mulheres e homossexuais. O próximo passo? Abolir religiões de origem africana ou indígena. Afinal, eles lutaram por liberdade religiosa enquanto não possuíam o poder que detêm agora. Devem erradicar qualquer outro deus, já que o deles é o único. Uma denominação religiosa monoteísta só defende liberdade de culto quando é minoria.
Os pastores e padres não aceitam tratamento com células-tronco embrionárias. Por quê? Aos fiéis, dizem que por princípios cristãos. Mas será um princípio cristão condenar pessoas a deficiência e dor quando se pode salvá-las? Há apenas um motivo para que a religião lute tanto contra o avanço na medicina: se todas as doenças fossem curadas pela ciência, não haveria tantos desiludidos da realidade iludindo-se com as curas imaginárias das igrejas.
No primeiro mandato de Lula fiquei pasmo com o destaque que a imprensa deu à declaração do cardeal Eusébio Scheid, que disse: “Lula não é católico, é caótico.” Vários jornalistas cercaram o presidente da República para cobrar-lhe uma resposta, como se qualquer cidadão, inclusive um Chefe de Estado, fosse obrigado a ser católico. Pior, Lula respondeu defensivamente, confirmando tal obrigatoriedade.
Agora são os evangélicos e grupos católicos de orientação fascista que querem obrigar os candidatos a alinharem-se aos seus dogmas. Sob o emblema da família e dos valores morais cristãos, escondem seu patriarcalismo, seu ódio a todos que ousam ser diferentes.
O mais cruel é que o PSDB, que já sofreu com uma campanha difamatória semelhante quando Fernando Henrique Cardoso, concorrendo à prefeitura de São Paulo em 1985, teve seu ateísmo explorado pela campanha de Jânio Quadros, agora se utiliza do mesmo expediente sem qualquer receio. Muitos PSDBistas acusam o PT de demonizar FHC ao comparar os períodos em que estes partidos estiveram na presidência. Qualquer pessoa isenta perceberá na campanha serrista do segundo turno que é o próprio PSDB que demoniza o ex-presidente. Não bastasse eles tentarem esconder FHC no primeiro turno, agora vão para o ataque contra pessoas com o seu perfil. Espalham-se os emeios que dizem que os “ateus satanistas” (sic) querem dominar o mundo e instituir uma “ditadura homossexual”, com direito a “comer criancinhas e legalização da maconha”. Escondem ainda mais Fernando Henrique, que participa de um grupo internacional que defende a descriminalização da erva.
Dilma, para não perder votos, enreda-se no esvaziamento do discurso eleitoral e se vê na necessidade de deixar de lado os grandes temas como saúde, direitos humanos e educação. Aliás, o manifesto dos reitores do Brasil em favor de Dilma, por considerá-la a melhor candidata para fazer avançar o ensino superior no Brasil, é um verdadeiro fogo amigo contra a candidata, já que para fundamentalistas falar em avanço da educação é falar em escassez de fiéis, digo, de “domínio do demônio” sobre uma sociedade racional, quer dizer, “ímpia”.
O fato é que, a depender dos líderes cristãos, a Terra ainda seria o centro fixo e achatado do universo e estaríamos tratando as doenças com exorcismos (na verdade, anda há muitos doentes procurando esse tipo de tratamento).
Os ateus são chamados diuturnamente de imorais e criminosos, e tal preconceito é ampliado na campanha eleitoral. Os ateus são a última minoria, a mais marginalizada e hostilizada. Sempre que um crime bárbaro é cometido, seu autor é taxado como alguém “sem deus no coração”. É imperativo que aqueles sem deus (na mente, no coração ou em qualquer outro lugar) demonstrem que são seres humanos morais, responsáveis, preocupados não com crenças de foro íntimo, e sim com o bem-estar social e os direitos humanos. Enquanto os ateus se calam e se escondem, com um discurso de não se declarar para não criar problemas com os religiosos, estes perseguem aqueles em seus púlpitos e na vida pública, condenando-os ao inferno, no qual desejam avidamente que queimem junto com homossexuais, mulheres insubmissas e tudo o mais que não se adéque ao padrão patriarcal do seu cristianismo do orgulho branco.
Quando José Serra fala em “valores religiosos das pessoas de bem”, insinua que quem não tem valores religiosos não presta. O próprio termo “cidadão de bem” subverte o conceito de cidadania, gerando o ideia de uma divisão dos cidadãos em diferentes castas sociais. São os “nós”, cristãos de classe alta, urbanos, esbranquiçados, heterossexuais defensores da vida, contra os “eles”, os promíscuos, degenerados, anticristãos, ateus. Não é necessário dizer que os “nós” possuem os meios de comunicação e o poder econômico para difundir seus preconceitos como uma verdade inalienável.
Caminhamos a passos largos para um estado teocrático, com líderes religiosos radicais elaborando as leis que devem reger a todos. Religiosos de outros credos, cristãos moderados, agnósticos e ateus que se calarem agora não poderão reclamar quando forem obrigados à conversão, ao ostracismo, quando estiverem no exílio da vida pública.
Ou na fogueira.


Amâncio Siqueira

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A inocência baleada do coronel Nascimento


A esperança foi baleada e respira com a ajuda de aparelhos na UTI. Torcemos para que ela abra os olhos, sem perceber que são nossos olhos que precisam abrir-se.
Tropa de Elite 2 é uma poderosa metáfora. E também uma tese de sociologia:
O sistema estende seus tentáculos a uma distância muito maior do que podemos captar, e sabe usar tudo que toca, mesmo aqueles que pensam combatê-lo.
Capitão Nascimento, agora coronel, passa por uma jornada que, de tão oposta, é idêntica à de Dom Vito Corleone, que no capítulo final de O Poderoso Chefão descobre que, quanto mais tentamos legalizar nossas ações, mais afundamos no lamaçal de um sistema inerentemente corrupto.
As atuações magistrais do todo o elenco abrilhantam o genial roteiro. Há um duro aprendizado não apenas para Nascimento, como para todos nós. A realidade subjacente estapeia nossas caras e diz: vocês são moleques. Peçam pra sair.
O sistema não tem um comando central. Como a Hidra de Lerna, crescem-lhe novas cabeças à medida que uma é cortada. Seus tentáculos multiplicam-se. Vencê-lo é um trabalho hercúleo.
Devemos deixar de lado o simplismo das ideologias, seja à esquerda ou à direita, e compreender como o sistema funciona em suas mais profundas raízes. Sim, esta obra-prima do nosso cinema é também uma lição.E não são apenas seus personagens que aprendem da forma mais dolorosa.
Socó Pombo

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Vargas Llosa é sexto escritor latino-americano a ganhar o Nobel


Mario Vargas Llosa (nascido Jorge Mario Vargas Llosa; Arequipa, 28 de março de 1936), escritor, jornalista, ensaista e político peruano, foi laureado com o Nobel de Literatura de 2010.
Nascido em uma família de classe média, único filho de Ernesto Vargas Maldonado e Dora Llosa Ureta, seus pais separaram-se após cinco meses de casamento. Com isto o menino não conheceu o pai até os dez anos de idade.
Sua primeira infância foi em Cochabamba, na Bolívia, mas no período do governo José Luis Bustamante y Rivero, seu avô obtém um importante cargo político no governo, em Piura, no norte do Peru, e sua mãe retorna ao Peru, para viver naquela cidade.
Em 1946 muda-se para Lima e então conhece seu pai. Os pais reconciliam-se e, durante sua adolescência, a família continuará vivendo ali.
Ao completar 14 anos, ingressa, por vontade paterna, no Colégio Militar Leôncio Prado, em La Perla, como aluno interno, ali permanecendo por dois anos. Essa experiência será o tema do seu primeiro livro - La ciudad y los perros ("A cidade e os cachorros", em tradução livre), publicado no Brasil como "Batismo de Fogo" e, posteriormente, como A cidade e os cachorros. Nesta obra aborda a psicologia dos jovens incitados ao militarismo.
Em 1953 é admitido na tradicional Universidad Nacional Mayor de San Marcos, em Lima, a mais antiga da América. Ali estudou Letras e Direito, contra a vontade de seu pai. Aos 19 anos, casa-se com Julia Urquidi, irmã da mulher de seu tio materno, e passa a ter vários empregos para sobreviver: atua como redator mas também fichando livros e até mesmo revisando nomes em túmulos nos cemitérios. Em 1958 recebe uma bolsa de estudos "Javier Prado" a vai para a Espanha, onde obtém doutorado em Filosofia e Letras, na Universidade Complutense de Madri. Após isso vai para a França, onde vive durante alguns anos.
Em 1964 divorcia-se de Júlia e em 1965 casa-se com a prima Patrícia Llosa, com quem tem três filhos, Álvaro, Gonzalo e Morgana.
Em 1987 inicia o movimento político liberal contra a estatização da economia, o que ia de encontro ao presidente Alan García.
Em 1990 concorre à presidência do país com a Frente Democrata (FREDEMO), partido de centro-direita, mas perde a eleição para Alberto Fujimori.

Sua obra critica a hierarquia de castas sociais e raciais, vigente ainda hoje, segundo o escritor, no Peru e na América Latina. Seu principal tema é a luta pela liberdade individual na realidade opressiva do Peru. A princípio, assim como vários outros intelectuais de sua geração, Vargas Llosa sofreu a influência do existencialismo de Jean Paul Sartre. Muitos dos seus escritos são autobiográficos, como "A cidade e os cachorros" (1963), "A Casa Verde" (1966) e "Tia Júlia e o Escrevinhador" (1977).
Por A cidade e os cachorros (também publicado no Brasil com o título Batismo de Fogo) recebeu o Prêmio Biblioteca Breve da Editora Seix Barral e o Prêmio da Crítica de 1963. Sua obra seguinte, A Casa Verde mostra a influência de William Faulkner. O romance narra a vida das personagens em um bordel, cujo nome dá título ao livro.
Seu terceiro romance, Conversa na Catedral publicado em 4 volumes e que o próprio Vargas Llosa caracterizou como obra completa, narra fases da sociedade peruana sob a ditadura de Odria em 1950.
Há um encontro na Catedral entre dois personagens: o filho de um ministro e um motorista particular. O romance caracteriza-se por uma sofisticada técnica narrativa, alternando a conversa dos dois e cenas do passado. Em 1981 publica A Guerra do Fim do Mundo, sobre a Guerra de Canudos, que dedica ao escritor brasileiro Euclides da Cunha, autor de Os Sertões.
Em 7 de outubro de 2010 foi agraciado com o Prêmio Nobel da Literatura pela Academia Sueca de Ciências "por sua cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota individual". Em declaração à rádio colombiana RCN nesta quinta, o escritor peruano afirmou que se surpreendeu com a escolha e disse que o prêmio é "um reconhecimento" à literatura latino-americana e em língua espanhola. "Não pensava que estaria nem entre os candidatos", brincou o autor. "Por mim, vou seguir trabalhando com um sentimento de responsabilidade, como sempre fiz. Defendendo coisas que são fundamentais para o Peru, para a América Latina e o mundo. A liberdade e a democracia são o verdadeiro caminho do progresso, da verdadeira civilização, que acredito que seja o papel de um escritor defender", comentou Llosa à rádio.
Mario Vargas Llosa é apenas o sexto escritor latino-americano a receber um Nobel. Antes dele, foram premiados a escritora chilena Gabriela Mistral (1945), o guatemalteco Miguel Ángel Asturias (1967), o também chileno Pablo Neruda (1971), o colombiano Gabriel García Márquez (1982) e o mexicano Octavio Paz (1990).