quinta-feira, 25 de março de 2010

Longínquos Amores – Beatriz

Pintura: “Incontro di Dante con Beatrice” de Henry Holliday

Suas mãos eram elegantes. Pareciam reger uma orquestra imaginária. Seus olhos pareciam desfilar na passarela de meus delineamentos, quão atentos e altivos eles me fitavam. Seus olhos negros se misturavam à noite. Estando com ela, mesmo de dia, eu tinha a companhia da noite de seus olhos. Da noite que eram seus olhos. Seus cílios eram tristes, o que tornava o seu ocaso mais poético. Sua pele era delicada, convidativa para um passear de mãos tenras e dedos estarrecidos. Seus cabelos emolduravam com fineza a formosura da paisagem de sua face. Seus lábios eram litúrgicos.
Lírica sua fala e íntimo o seu cerrar de pálpebras. Encantante a sua alma e formoso o seu ruborizar. Sua maior ousadia, estando comigo, foi quando, em silêncio, conduziu minha mão para o calor do seu seio adolescente. Foi com palavras dormindo que versifiquei o nosso romance.
Desculpe-me amiga, mas, depois de Dante, não sei como sublimar o teu nome.

Alessandro Palmeira

sexta-feira, 19 de março de 2010

Resposta de um pecador ao seu inquisidor



Em resposta ao amigo Socó Pombo, que foi extremamente generoso em sua crítica ao Evangelho de São Pecador, quero apenas salientar alguns pontos que não se encaixam na realidade do romance. Primeiramente, o personagem Ahmenops recebeu tal nome apenas porque não consegui em minhas pesquisas encontrar o nome do Cônsul do Egito na época em que se desenvolvem os fatos narrados.

Quero ainda deixar claro que não foi minha intenção esconder a autoria do livro, embora concorde plenamente que não sou o autor estritamente falando, tendo alterado deliberadamente meu estilo para dar maior verossimilhança à obra, e inclusive fico feliz de ter causado alguma confusão ao meu amigo, o que comprova que fui bem-sucedido na minha tarefa.

Sobre a influência de Dom Quixote nas escolhas de heterônimos e temas, devo afirmar que não houve, pelo simples fato de não ter lido Cervantes antes ou durante a escrita do Evangelho (concluí o romance aos 24 anos, e li Dom Quixote aos 26, embora não tenha deixado de notar algumas questões intertextuais bem assemelhadas – fazer o que, se tudo foi já escrito?). Minha escolha por um autor espanhol se deu por dois motivos básicos: primeiro: o brasileiro não valoriza autores nacionais e talvez, ao ver um livro de um autor “estrangeiro” na livraria, possa interessar-se. Segundo: a Espanha é um país em muito assemelhado à nossa América, inclusive em suas ditaduras tão próximas da Igreja Católica, e traçar paralelos entre o século II e o XX, com a Espanha, remeteria diretamente ao nosso próprio século XX, com suas ditaduras. Como se trata de obra filosófica, mostrar que pensamentos de dois mil anos ainda se encaixam na nossa realidade era um objeto, o qual também acredito ter alcançado, e se encaixa perfeitamente nas intenções do Movimento Lixista, que busca a total reciclagem do pensar e do fazer da nossa sociedade.

Para mostrar que não objetivo eximir-me da autoria de um livro polêmico, realizarei o lançamento do mesmo na Câmara de Vereadores de Afogados da Ingazeira – PE, às 20h, no dia 27 de março. Aqueles que quiserem me apedrejar já sabem onde estarei.

Segue o texto da orelha:

“Muito aprenderás para descobrires que de nada sabes.”

As palavras de Shiva marcarão as viagens de Tiago de Ariman em sua busca pelo amor, por Deus e por si mesmo. Transitando da aridez ao oásis do espírito, conhecerá a vastidão nem sempre bela do coração dos homens, numa jornada de auto-conhecimento para além do santo e do profano no ser humano, até o âmago do próprio homem. Uma peregrinação por terras distantes dará a medida do pó que nos faz vivos, a composição da vida que nos faz humanos, demasiado humanos.

Amor e ódio, vida e morte, fé e desesperança se encontram na sua história, não primariamente dualista, não religiosamente maniqueísta, não tese e antítese, mas síntese de um espírito que extrai do tormento o sentido para tornar-se superior. Uma jornada da queda à sublimidade. O descobrimento do Reino que está dentro de nós. Aprendemos nessa caminhada que a vida é luta, que a guerra é a melhor professora da paz. Que está em nossas mãos operar o milagre. O milagre nos envolve até nos sufocar.

Vagando entre povos, línguas e filosofias, descobriremos com Tiago que o grande tema e o grande propósito da vida não são o pecado ou a santidade, o bem ou o mal, mas o homem em sua pureza, misto de prazer e dor.

Aprenderemos com as filosofias e as religiões que o amor é a grande sabedoria, que o homem é a grande fé.

Contudo, pode um único homem ser todo um povo, toda a humanidade? Descubra (descubra-se) no seu evangelho. Uma história de conhecimento e vontade. Um romance de força e beleza. Um poema de redenção.


Quem não puder estar presente poderá obter o livro nos seguintes links:

http://artexpressaeditora.com.br/produtos.asp?produto=100

http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=7031978&sid=16422716512129759354805246&k5=BECE09C&uid=

http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-139023050-o-evangelho-de-so-pecador-amncio-siqueira-_JM

http://www.quebarato.com.br/classificados/o-evangelho-de-sao-pecador-amancio-siqueira__9405414.html


Amâncio Siqueira

quinta-feira, 18 de março de 2010

Louco Bêbado



Pra que usar de tanta educação

pra destilar terceiras intenções?

Desperdiçando o meu mel

devagarzinho, flor em flor.

Se você nunca ouviu falar em maldição,

nunca viu um milagre,

nunca chorou sozinha num banheiro sujo,

nem nunca quis ver a face de Deus.

Pois aquele garoto que ia mudar o mundo,

e ser artista de nosso convívio,

pelo inferno e céu de todo dia

pra poesia que a gente não vive

transformar o tédio em melodia.

Queria ser teu pão, tua comida,

e ter todo o amor que houver nessa vida

e mais algum remédio que dê alegria.

Esperando que o mundo inteiro acordasse

pra gente ir dormir

e outra vez esquecer,

pois nestas horas pega mal sofrer.

Sempre exagerado,

cansado de correr na direção contrária,

sem pódium de chegada ou beijo de namorada;

mais um cara

capaz de encontrar abrigo no peito de seu traidor.

Um veneno anti-monotonia.

Por quê?

Porque fazia parte do seu show;

faz parte do seu show...

… Cazuza.

Márcio Jardson


segunda-feira, 15 de março de 2010

O verdadeiro São Pecador


Há pouco mais de um ano, o meu amigo Amâncio Siqueira disse-me que, pesquisando seu nome na internete, havia encontrado um romance de um escritor espanhol de mesmo nome. Curioso, havia procurado o referido livro e conseguido uma cópia, a qual havia apreciado e queria que eu lesse. Tomei o livro e, com exceção do interesse pela coincidência, não fiquei muito empolgado. É que não sou tão interessado por história quanto meu amigo, e tratava-se de um livro sobre o século II.
Porém isso mudou quando, após alguns meses, passei a folheá-lo aleatoriamente e encontrei passagens extremamente profundas.
Comecei a lê-lo e encontrei uma introdução de Eugênia de Sant'Anna, na qual revelava-se que Amâncio Siqueira não era o autor, mas apenas o pseudônimo do Frei Luiz Vaz Quevedo, que havia encontrado manuscritos em aramaico datados do século IV e adaptara-os para o espanhol. A própria Sant'Anna havia traduzido a versão em espanhol para o português, acrescendo-lhe notas explicativas. Quevedo havia criado o pseudônimo para evitar ser identificado e perseguido pela igreja e pelo regime franquista, responsável pela morte de Lorca, entre tantos outros.
Entre os manuscritos adaptados, um evangelho apócrifo de Jesus e textos esparsos sobre a vida de Tiago de Ariman, importante personagem de seu tempo.
Li o livro em dois dias, de um só impulso, e fiquei de fato muito impressionado. Conheço vários autores clássicos, porém ali estavam questões tão atuais, palavras que me diziam tudo o que sempre veio em meu íntimo sem que soubesse colocar na tela do computador.
Tive que reler o livro, porém de forma mais pausada. E posso dizer que descobri o truque.
Sim, Siqueira conseguiu enganar-me por algum tempo, o que é um grande mérito. Se não conhecesse seus outros escritos e seu estilo, com certeza ainda não saberia da verdadeira autoria do Evangelho de São Pecador. Uma das grandes jogadas foi a mudança de estilo, aproximando-se muito do da época. Ao contrário de livros como Ivanhoé e O Nome da Rosa, nos quais seus autores também utilizaram a história do manuscrito anônimo, Siqueira alterou totalmente seu estilo. E por um lado não teria sido difícil: o livro se passa em tempo e local muito próximos das narrativas bíblicas. Profundo conhecedor da Bíblia, não foi difícil lançar mão de concordância e vocabulário bíblicos, alcançando grande verossimilhança.
Disse por um lado, pois pelo outro ele acabou por se denunciar. É muito difícil para um escritor escrever tão mal quanto os escribas de deus, e ele não conseguiu fazê-lo em todo o texto. Há períodos inteiros em que se percebe o escritor moderno, as construções firmes, a palavra exata, a poesia lançada sobre a frase. O questionamento da literatura, a busca pela arte. E isso é ótimo. É exatamente aí que reside a excelência do conteúdo do romance, que de outro modo teria valor apenas extratextual.
Outro fato a se destacar: os personagens. Nos nomes dos personagens há o desejo do verdadeiro autor de denunciar-se, de mostrar que há alegoria no seu texto, um significar além do que vai aos nossos olhos. Shiva, Ahmenops, Helena Sofia. Índia, Egito e Grécia. Influências sobre o pensamento ocidental. Origens da filosofia. E Tiago de Ariman, um judeu de influências persas errante absorvendo tudo isso e gerando algo novo, engendrado no sangue de seu deus.
Entretanto, de fato não posso dizer que o Siqueira seja autor desse Evangelho, embora o seja. Não é o escritor que eu conheço nessas páginas; ao menos não inteiramente. Posso afirmar que o Amâncio Siqueira aqui é apenas um pseudônimo do verdadeiro escritor, o Frei Luiz Vaz Quevedo, um bem construído heterônimo do nosso Siqueira.
E a história desse heterônimo é outro ponto importante integrante do livro, que me ajudou a desvendar a verdade da sua autoria: o autor é espanhol, o que me levou de imediato aos jogos literários de Dom Quixote, de Cervantes (ou de Cervantes em Dom Quixote), e as diversas autorias dentro do romance espanhol.
Outro espelho quixotesco: essa busca por libertar-se de deus, esse moinho de vento transformado gigante pela nossa cultura.



Socó Pombo

Adornando a Solidão de uma Manhã


A moça na janela olhava com sutileza os pingos de chuva que fluíam das nuvens densas.
Seu olhar perdido nos delírios daquela ilusão de chuva ansiava por descobrir os sabores de tantos poemas celestes que agora caíam em suas mãos pequenas e delicadas.
A essência das flores perfumadas que aromatizam a manhã da moça sorridente é trazida pelo vento que chega sorrateiro, para não roubá-la da paisagem em que está inundada.
Uma melancolia nasce, chega com a leveza dos pingos que se despendem choramingados nas margaridas que, por gentileza, nasceram nas pequenas brechas que as pedras deixaram aleatoriamente.
Quem via aquela cena, jurava que nada de mais importante estaria acontecendo naquela manhã com semblante de pintura, uma manhã agasalhada com seus cachecóis.
Mas, alimentando de alegria os olhos daquela moça, um casulo se rompeu e o velho canteiro de flores se alegrou com a chegada colorida de uma borboleta ainda menina, mas que carregava nas suas asas a alegria de uma primavera.

Izabel Goveia

Suspeito de assassinar Glauco é detido em Foz


O Phallos não tem por objetivo publicar notícias policiais. Porém, quando o mundo da arte perde um dos seus mais importantes representantes de maneira vilenta, as notícias policias e culturais entrechocam-se. Foi assim com a morte do cartunista Glauco e seu filho. Felizmente, o assassino, que praticou o crime motivado por um surto psicótico de origem religiosa, foi preso.

Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, suspeito pela morte do cartunista Glauco Villas Boas e de seu filho Raoni, foi preso às 23 horas de domingo, 14, enquanto tentava fugir do Brasil pela Ponte da Amizade, em Foz do Iguaçu, na fronteira com o Paraguai. Ele estava foragido desde sexta-feira, 12. Segundo a Polícia Federal (PF) de Foz do Iguaçu, Nunes dirigia um Fiesta Preto roubado, com placa de São Paulo.

Ao ser abordado para procedimentos de rotina, ele saiu do carro e atirou, baleando no braço um agente da PF, que não corre risco de vida. Em seguida houve troca de tiros e Nunes foi preso em flagrante por tentativa de homicídio e resistência à prisão. "Ele é muito falante e continua dizendo que é Jesus", disse Ocimar Moura, agente da PF.
Nunes estava com uma pistola usada igual a do crime, uma semi-automática oxidada 7,65 mm, e ficará preso na delegacia da PF até segunda ordem da Justiça Federal de Foz do Iguaçu. Ele deve ser indiciado por cinco crimes: duplo homicídio de Glauco e Raoni, roubo de veículo, resistência à prisão, porte ilegal de arma e tentativa de homicídio do agente da PF.

terça-feira, 9 de março de 2010

De sincronia e fins de mundo

“Passa um homem com uma placa com os dizeres: ‘Arrependei-vos, pois o fim está próximo.’ Hagar pergunta-lhe: Como você entrou neste negócio? Ao que o homem responde: Herdei do meu avô.”
De uma tira de Hagar, criada por Dik Browne

Sincrônico significa “ao mesmo tempo.” A percepção sincrônica da história pode ser definida como a ausência de perspectiva temporal. A pessoa crê que seu tempo é o único, que sua realidade é a única, e não um evento em um processo lento de evolução. Tal percepção é comum na religião: os escritores da bíblia, por exemplo, não conheciam tamanduás, tatus, cangurus ou coalas, e por isso não os colocaram na arca de Noé. Ao mesmo tempo, conheciam o uso de camelos para cargas, comum no século VII a.C, e atribuíram a Abraão o uso de tais animais, que ainda não eram utilizados na época do patriarca. Exemplo singular de sincronismo histórico pode ser vislumbrado ainda nas artes, como os quadros de artistas da Idade Média de cenas bíblicas: guardas romanos usam armaduras medievais e personagens orientais e africanos europeízam-se, com pele, cabelo e olhos claros.Mas, se de um lado o sincronismo é interessante e até cômico, de outro tem uma faceta triste e trágica: aquele que não tem perspectiva de passado também não a tem de futuro. E lá se vai a dizer que “este mundo não tem mais jeito” ou “o fim está próximo”. Toda vez que passa o cometa Halley, um homem sem perspectiva de passado pensa que é a primeira vez que está passando, que é um símbolo do fim do mundo, e arregimenta outras pessoas igualmente sem perspectiva, num suicídio coletivo à espera do fim. As pessoas vêm uma nova gripe, que mata menos que a antiga, e dizem: “Estão vendo? Foi anunciado que haveria peste, fome e guerra antes do fim”. Como se não houvesse desde o começo.É evidente que os profetas tinham que dizer “eu vejo fome, guerras e peste”, afinal, era só o que viam. Seu tempo traduz-se como todos os tempos, e assim fazemos quando dizemos que era sobre nosso tempo que eles falavam. Como se eles não tivessem coisa mais importante para se preocupar. Você já parou para pensar que só há profetas de desgraças? Nunca vi profecias sobre a descoberta das Américas e da Oceania. Nem sobre viagens de avião, idas à Lua, internet ou telefone celular. O apocalipse, por exemplo, foi escrito na época da destruição de Jerusalém e do segundo templo. Para aquelas pessoas, era o fim do mundo. Sem perspectiva histórica, sem futuro. Sem TV ou computador no fim do horizonte.Se pararmos para pensar historicamente, perceberemos quanto estão errados os que dizem que as coisas estão cada vez pior. Há dois séculos, a expectativa de vida era de trinta anos. Hoje, passa dos setenta. As pessoas atualmente trabalham metade do tempo que então nossos antepassados trabalhavam, e têm direito a uma coisa que não existia: lazer. Dos avanços tecnológicos já falei. Dos da medicina, nem preciso falar. Uma peste bubônica matou pelo menos um terço da população européia na idade média. Hoje, praticamente ninguém morre desta doença. Há cem anos, só os ricos do sexo masculino votavam, e só para eles eram feitas as leis. Ainda têm suas regalias, mas houve avanços. E a perspectiva de quem compara as diversas eras é de melhora constante.Entretanto, se você ainda assim espera pelo fim do mundo, tenho que dizer-lhe que é uma opção sua, um direito seu; mas também me cabe advertir-lhe: tendo em vista que nossa espécie existe há cerca de um milhão de anos na Terra, e que desde tempos imemoriais esperam pelo fim do mundo, e fazendo umas contas cá no meu cérebro que não gosta muito de matemática, diria que, se o mundo um dia vier a acabar-se, a probabilidade de estarmos vivos para presenciar seu fim é de uma para cem bilhões. Pode não ser uma perspectiva muito boa para você, mas pra mim está ótimo.
Amâncio Siqueira/Socó Pombo

segunda-feira, 8 de março de 2010

Um Copo da Cólera de Raduan Nassar

A chegada do ser, a calma e o desejo que o leva à cama, o levantar e o banho que nos refresca com o prazer; levantar descansado após a fúria do êxtase. Café na nova manhã que se ergue no horizonte e nos faz pensar e ver.
O esporro de uma fúria que vem sem que se saiba de onde, sem que se saiba para onde, caminha e nos leva a ruas tortuosas, a pensamentos absurdos, filhos da desesperada vontade de fugir das presas de nossos inimigos e de vencê-los e de vê-los derrotados. Quando sua derrota é-nos mais gloriosa que nossa vitória. E a fúria que nos separa e nos afasta.
A calma que nos faz esquecer e nos faz voltar à chegada.


Márcio Jardson

Mudo Caos

Pintura: Salvador Dalí - Reflexões de Elefantes

Eis-me aqui, no palco da vida
encenando desesperadamente um único ato
cheio de uma paixão angustiada e sufocante.

Minha alma chora,
nenhum olhar a refez...
grita
e o mesmo grito ecoa no vazio de mim
feito o vazio.
Talvez em busca de um “sedutor amante
a quem chamavas de Deus.”

talvez em busca de um louco embriagado
pelo néctar da vida.
Sozinho e fútil
… que parece perder-se no caminho.

Busco-me no ato cego e mudo do cenário vazio
um riso parece emergir do caos interior
que me consome,
um caos íntimo e mudo.

A criança que fui
perdeu-se no caminho,
como o louco embriagado de outrora.

E hoje, mesmo perdida e louca,
continua tecendo sonhos
aos olhos da aurora,
compondo versos feitos de sêmen...


Alessandro Palmeira

terça-feira, 2 de março de 2010

Não tem graça


O senso-comum condiciona-nos, no mais das vezes, à aceitação da repetitividade como recurso imprescindível à compreensão de dada realidade, tornando assim a nossa convivência em sociedade escrava de regras e prendendo-a ainda mais ao temor do original, da mudança brusca, do que é revolucionário e, consequentemente, daquilo que não pode ser facilmente digerido pelas pessoas que têm preguiça de pensar (a maioria delas é condicionada a isso).
O humor brasileiro mostra que o vírus da repetitividade, da falta de criatividade, tem contagiado todas as células criativas da nossa cultura. O sábado à noite acabou transformando-se num festival de humor de reprises inéditas, as mesmas piadas (já sem graça desde a primeira vez) regravadas, com atores usando figurinos diferentes e a mesma cara de pau. E, pasmem, A praça é Nossa e Zorra Total são grandes campeões de audiência, seguidos de perto pelo Show do Tom, que já mostra a tendência de seguir o modelo. Globo, SBT e Record, unidos para contribuir de forma ativa com a destruição do pensamento crítico. Havia um quadro na zorra que foi totalmente trucidado, até ser cortado, no qual se apresentava algo de original. Os brasileiros já não conseguem rir da crítica bem-humorada e ácida centrada nos acontecimentos da atualidade. Seres sem consciência e acríticos não podem interagir com o humor consciente e crítico. As pessoas simplesmente já não são capazes de entender Chico Anísio.
É comum ouvir-se nas ruas as mesmas frases sem graça que alimentam o humor do ignorantes: Ô coitado; não espera eu molhar o bico; eu te amo, meu tchutchuco; dá uma subidinha; cuecão de couro; ô manôoo; vou dar porrada; tô pagano, entre outras. Além, é claro, dos quadros com torta na cara ou baldes d'água na cabeça, herdados das comédias pastelão americanas do início do século passado e passadas de maneira fiel e sagrada de geração em geração, e que ganham grande ênfase no humor idiotizante das novelas globais e nos programas para crianças dementes dos domingos pela manhã.
O mais triste é perceber que até mesmo o Casseta & Planeta, que foi o melhor grupo de humor brasileiro, também sofre com isso, já que os quadros de maior sucesso junto ao público obedecem o esquema Globo de loby: funciona como um videoshow de “humor”, propagandeando as novelas e reality shows da emissora. Há muito ficaram de lado os quadros críticos e a avaliação de conjunturas.
Os programas ditos independentes seguem outro caminho: defendem que humor adulto significa humor semi-pornográfico. E aumenta o volume de baixaria sem conteúdo abundando nos meios de comunicação.
Diante da decadência do nosso humor e de nossa incapacidade de rir de piadas inteligentes, resta assistir esse tipo de besteirol e rir para não chorar.

Socó Pombo

Para ler e preencher espaços vazios


Os trovões ocultarão nossas palavras, nossas verdades, nossas risadas inumanas e divinas. Virão os raios iluminar-nos, pois não há nada a esconder; talvez apenas nossa disparidade e corpos nus. E se vão; então não sentiremos falta, a escuridão é nosso refúgio quando não somos deuses, o único lugar onde se tem companhia e não há olhar, na profunda escuridão do precipício.

Jean Wagner

segunda-feira, 1 de março de 2010

O Narciso e o Louco

Pintura: Salvador Dalí - Metamorfose de Narciso

Ajoelhado com suas mãos apoiadas no chão ou no próprio corpo, ele admira sua face nas cristalinas águas de um lago maravilhoso e divino como seu reflexo que exalta a criação e o criador, beleza que encanta seu possuidor e, como num sonho, entrega-se ao prazer da contemplação.
O sonho em tintas renascentistas cede suas cores e formas às mãos de Morfeu, senhor do abstrato, e transforma-se na sua verdadeira e louca face, absurda e caótica em busca de desvendamento ou eterna ocultação em obscuridade e mistério.
Salvador Dalí olha sua face à beira de um lago e vê-se Narciso e Dalí, transmuta o mundo com sua visão e tintas, mostra a beleza anárquica de suas ilusões ao mundo, mundo onde tudo pode acontecer e em que o ornitorrinco sente-se envergonhado e, cabisbaixo, dá-se por derrotado, pois nem ele é tão estranho e genial.
Dos ovos que nascem ornitorrincos, Dalí retira homens, plantas e ilusões, seu tempo derretendo-se ao escaldante sol faz-nos esperar o imprevisível e anormal em telas que, antes brancas, cederam aos toques da loucura: de Dalí, de Morfeu, de uma profecia de um existir irreal.

Márcio Jardson

Pulsar


Pulsa, pulsa o Phallos no sensível toque.
A certeza do prazer anunciada no mesmo toque.

Pulsa mais forte numa ansiedade louca.
Silente e firme ele se eleva;
o orgasmo não é mais um sonho:
ele se intensifica espontaneamente.

Movimentos e sussurros se propagam além do sentir.
Os poros transbordam desejo.
O ritmo se altera freneticamente.

O instante mais sublime se aproxima.
Subitamente, o Phallos jorra o seu néctar
e, delirante, transborda de prazer...

… chega o vazio.
E o Phallos adormece como uma alma sonhadora
mergulhada em profundo sono
nos seios de uma aurora sutil e nua...


Alessandro Palmeira