terça-feira, 27 de outubro de 2009

Renovação



Em menos de dois meses pagãos comemorarão o nascimento do Sol Invicto ou da Deusa; cristãos, o nascimento de Jesus Cristo; membros de outros credos, a renovação do ciclo solar; ateus, férias e feriados. Todos comemoram no período natalino o fim de um ciclo e início de outro. É a renovação da vida, uma nova aliança com o novo. O descanso de anteriores batalhas para lançar-se, de mente descansada e coração encorajado, na guerra incessante que é esta vida.
O Phallos passará por um tempo de atualizações apenas semanais, devido à momentânea dificuldade de acesso dos seus editores à internete, e aproveita estes próximos dias para indicar uma árvore que representa uma renovação para todo o ano. Dependendo dos galhos escolhidos, uma renovação de toda uma vida.
Boas festas e feliz vida nova.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Indicações de leitura do Phallos - parte II

Foto: Bela livraria Lello do Porto - Portugal
As phállicas indicações de leitura, tendo por base o índex librorum prohibitorum, seguem com autores não ficcionais, em sua maioria filósofos:
Thomas Hobbes 1649-1703 Todas as obras
René Descartes 1663 Todos os trabalhos filosóficos
Francis Bacon 1668 Obras científicas (indicamos muito mais de Bacon. A Nova Atlântida é uma Utopia talvez mais cientificamente notável que a utopia de Morus)
Michel de Montaigne 1676 Ensaios
Baruch Spinoza 1690 Todos os trabalhos póstumos (indicamos também o Tratado teológico-político, publicado anônimo)
John Milton 1694 Papéis do Estado (não podemos deixar de acrescentar sua obra-prima Paraíso Perdido)
Joseph Addison 1729 Remarks on seven parts of Italy (não conhecemos este autor e não encontramos textos em português)
Richard Steel sem data Account of the State of The Roman Catholic Religion (não conhecemos este autor e não encontramos textos em português)
John Locke 1734-1737 Ensaio sobre o entendimento humano
Emanuel Swedenborg 1738 De Principia
Daniel Defoe 1743 História do Diabo (não encontramos traduções em português)
David Hume 1761-1872 Todas as obras
Jean-Jacques Rousseau 1762-1806 O contrato social (indicamos também o tratado sobre a origem da desigualdade entre os homens)
Edward Gibbon 1783 Declínio e queda do Império Romano
Blaise Pascal 1789 Cartas Provinciais (indicamos também Pensamentos e Ensaios)
Oliver Goldsmith 1823 Uma breve história da Inglaterra
Immanuel Kant 1827 Crítica da Razão Pura (não poderíamos deixar de indicar a crítica da razão prática)
Giovanni Casanova 1834 Memórias (não se trata de escrito filosófico, mas não deixará de ser instrutivo)
John Stuart Mill 1856 Princípios de Política
Ernest Renan 1889-1892 Vida de Jesus
Emile Zola 1894-1898 Todas as obras
Andrew Lang 1896 Mito, Rito e Religião
Kalr Marx sem data Todas as obras (indicamos também Friedrich Engels)
Arthur Schopenhauer sem data Todas as obras
Friedrich Nietzsche Todas as obras
Henri Bergson 1914 Evolução Criativa
Charles Darwin sem data A Origem das espécies (indicamos suas outras obras sobre a viagem a Galápagos e estudos comparados)
Thomas Huxley sem data Todos os trabalhos científicos (incluímos aqui seu neto, Aldous Huxley, autor de Admirável Mundo Novo e Sem olhos em Gaza)
Benedetto Croce 1934 Filosofia e História
Jean-Paul Sartre 1948 Todas as obras

Esta lista de indicações é apenas um norte para o leitor iniciante enveredar pelo universo do conhecimento e do prazer da leitura. É evidente que ao longo do tempo realizaremos resenhas das obras indicadas. Na próxima e última parte, um apanhado do Opus Dei.
Socó Pombo

O mundo não existe


- Pobre Amita! É tudo que podes dar? Um pouco de melão? Um pouco de felicidade?

- Eu sei quem tu és. Tem piedade de mim. Me dá a esmola mais elevada!

- Fecha os olhos, os ouvidos, a boca, as narinas, os dedos; fecha o espírito, esvazia as entranhas. O mundo não existe! Nada existe; nada existe, tudo é fantasma de nosso espírito faminto, de nossa alma que tem medo. Nada existe, a não ser o grito de meu coração. Isto me basta.

Nikos Kazantzakis - Toda Raba

Balada para um Louco

Pintura: Bosch - A nau dos Loucos

Uma lembrança viva da minha adolescência é a lojinha de tia Estela. Tal lojinha ficava na minha rua e o "vendedor" era o Plameira. Grande divulgador de literatura e incentivador da leitura que é o Palmeira, o apertado espaço da loja, coisa de oito metros quadrados, tornou-se ponto de encontro da elite literária afogadense: os adolescentes Amâncio Siqueira, Márcio Jardson, Jahiel Nunes e Edgar Cruz. Vez por outra, Jean Carlos, Bruno Senhor e Nailton Barbosa davam as caras. Roubávamos livros uns dos outros, e uns roubavam os livros roubados dos outros e emprestavam para os antigos proprietários, que os devolviam aos ladrões originais. Acredito que todos os citados lembram-se do aparelho de som que Palmeira tinha no local. Um toca-fitas já bem surrado. As fitas que ele levava também já não estavam em bom estado. Mas as músicas que adivinhávamos ao ouvi-lo eram uma haste de algodão para ouvidos entupidos de forró estilizado, sertanejo country e axé. Havia de um tudo: Ravel, Wagner, Raul, Chico, Milton e muito mais. Entre as músicas, uma me chamou especial atenção: Balada para um louco (viva os loucos que inventaram o amor), na voz de Moacir Franco. É claro que eu não sabia o título naquele tempo. A fita não tinha, pelo que lembro, o intróito, começando diretamente no trecho "Louco, louco, louco...". Quando digo que adivinhava a música não estou brincando. Minha versão, ou seja, o que ouvia dos ruídos do som era o seguinte:
Louco, louco, louco, foi o que disseram quando disse que te amei,
Mas naveguei nas águas turvas dos teus olhos,
E confesso, fui Antibes, e invadi teu coração.
Trazemos aqui a versão completa em vídeo e apresentamos não apenas o título, como também a autoria, de Astor Piazzolla e Horácio Ferres. Como o Phallos não é um blogue de memórias, embora sejam as memórias que nos levem a escrever, o objetivo aqui não é apenas relembrar, mas despertar o interesse de novos leitores e ouvintes. Trata-se de um incrível poema à liberdade, à criatividade, à alegria. Um elogio à loucura que ilumina a vida. Sim, o amor é para os loucos, então que estes o cantem.
"Como um acrobata demente saltarei
dentro do abismo da tua mente, até sentir
que enlouqueci teu coração e, de tão livre, chorarei."
Amâncio Siqueira




domingo, 25 de outubro de 2009

Heterônimos e vida interior

Caricatura: Fernando Pessoa por Almada Negreiros

É possível que, mais tarde, outros indivíduos, deste mesmo gênero de verdadeira realidade, apareçam. Não sei; mas serão sempre bem-vindos à minha vida interior, onde convivem melhor comigo do que eu consigo viver com a realidade externa. Escuso de dizer que com parte das teorias deles concordo, e que não concordo com outras partes. Estas cousas são perfeitamente indiferentes. Se eles escrevem cousas belas, essas cousas são belas, independentemente de quaisquer considerações metafísicas sobre os autores "reais" delas. Se, nas suas filosofias, dizem quaisquer verdades - se verdades há num mundo que é o não haver nada - essas cousas são verdadeiras independentemente da intenção ou da "realidade" de quem as disse.
Fernando Pessoa

sábado, 24 de outubro de 2009

Libertadora noite

Oh, noite! Oh, consoladoras trevas! Sois para mim o sinal de uma festa interior, sois a libertação de uma angústia! Na solidão das planícies, nos labirintos pedregosos de uma capital, vós sois, ó cintilação das estrelas, ó explosão das lanternas, o fogo de artifício da deusa Liberdade!

Charles Baudelaire



Perde-te na admiração do ser admirado

Pintura: Chagall - O casal (a sagrda família)

Não enxergo aproximação sem admiração.
Fulana, somos feitos para a admiração. Admirar a formosura com a qual o homem veste a roupa, os dizeres. Admirar a forma como ele contempla um pôr-do-sol, uma orquídea, uma criança. Admirar como ele se comove com a velhice, com a infância da velhice. Admirar sua lealdade com a intensidade, com os amigos. Admirar seu bom gosto por músicas clássicas, como declama poemas do Pessoa, o jeito como cerra as pálpebras. Admirar-se com a forma com que a mulher põe o rímel, o baton, os acentos nas palavras. Como cuida dos filhos esquecendo-se de si. Como cuida do marido esquecendo-se de si, como cuida do jardim esquecendo-se de si; como cuida de si, lembrando dos filhos, do marido e do jardim. Admirar. Admirar-se.
Admirar com a voluptuosidade de olhos que se derramam sobre as palavras de um romance, de um poema, de um bilhete de amor, como se fosse nudez desejada. A minha admiração veio da sutileza de algo em ti. Ainda não sei bem dar nome ao que vi. É preciso admirar e perder-se na admiração do ser admirado.
Alessandro Palmeira

Vote na nossa enquete

Barraca da equipe phállica

No fim da página, antes do Dom Quixote, você encontrará a nossa enquete. Faltam apenas dez dias para votar e ajudar-nos a montar um perfil dos leitores do nosso blogue.
Aproveitamos para comemorar com você, fiel leitor, termos chegado à marca dos cinquenta visitantes. É tamanho o sucesso deste blogue que temos sido convidados para vários eventos, como o carnaval de Salvador e inúmeros bailes funk. Você pode verificar acima que sempre vamos para tais locais, além das festas regionais que já frequentávamos antes da fama, com nossa barraca já montada.
Não se pode desperdiçar estas oportunidades de diversão.

Indicações de leitura do Phallos - parte I

Biblioteca do mosteiro de Melk, Áustria

O Phallos celebra uma parceria de sucesso com a Igreja Católica e passa agora, com o apoio desta instituição, a indicar leituras proveitosas e edificantes:

Index librorum prohibitorum


A primeira censura oficial surgiu em 1559 (algumas fontes datam de 1557), com a publicação do Index auctorum et librorum prohibitorum, sob a direção do papa Paulo IV. Conhecido como Index Paulino, foi o primeiro de muitos indexes papais, num total de quarenta e dois. Tinha como propósito guiar censores em suas decisões sobre quais publicações autorizar e quais proibir, pois os impressores não tinham liberdade para publicar sem autorização oficial. Em janeiro de 1562 o Concílio de Trento tratou do índice de autores e livros proibidos, que era considerado por alguns como muito restritivo. Após os discursos iniciais, o concílio nomeou uma comissão para criar um novo índice. O concílio, porém, terminou antes de ser apresentado o novo índice pelo papa Piu IV e publicado em 1564, chamado Index Tridentino. Constituiu o mais autoritário guia da igreja já publicado, sendo suas listas a base para todos os subsequentes. Suas regras valeram ainda como o guia para os futuros censores.

Os princípios dessa censura, no entanto, já se apresentavam desde 1515, apresentados no quinto concílio de Latrão. A trigésima segunda edição do Index incluía quatro mil títulos. Em 1966 a lista negra foi suprimida oficialmente, porém os setores mais tradicionalistas da igreja continuam adotando-o, como o Opus Dei. Tais setores inclusive continuam atualizando o índice com livros da atualidade que de alguma forma desafiem os dogmas católicos, a exemplo dos livros O Evangelho segundo Jesus Cristo, de Saramago, O Pêndulo de Foucault, de Humberto Eco, O código da Vince, de Dan Brown, Prece ao Pecado, de Alessandro Palmeira e O Evangelho de São Pecador, do Frei Luiz Vaz Quevedo.

Começaremos com alguns autores de ficção presentes na lista (romancistas, novelistas, poetas):

Autor Ano da inclusão Obra Banida

Samuel Richardson 1744 Pamela
Laurence Stern 1819 Uma jornada sentimental através da França e Itália
Stendhal 1828 Todas as suas histórias de amor
Victor Hugo 1834-1969 Os miseráveis; O corcunda de Notre Dame
George Sand 1840 Todas as suas histórias de amor
Honoré de Balzac 1841-1964 Todas as suas histórias de amor
Eugene Sue 1852 Todas as suas histórias de amor
Dumas Pai 1863 Todas as suas histórias de amor
Dumas Filho 1963 Todas as suas histórias de amor
Gustave Flaubert 1864 Madame Bovary; Salambô
Gabriele D’Annunzio 1952 A mulher romana

Perceba que histórias de amor são consideravelmente anti-cristãs.

Nas próximas partes, filósofos e outros romancistas.

Socó Pombo

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Receitas literárias - Kasseler à Moda Antiga Alemã

Monumento em memória à queima de livros de autores alemães organizada pelos nazistas em 1933, na Bebelplatz, em Berlim

(Deve-se consumir com certa moderação, para evitar vertigens linguísticas e estilísticas e uma intestina depressão)

Ingredientes
250 gramas de Thomas Mann
2 tabletes de Goethe e 1 de Kleist dissolvidos em 1 litro de Gunther Grass
1 colher de chá de Peter Weiss
1 xícara de chá de Hesse
1/2 quilo de Nietzsche
1 colher de chá de Schopenhauer
1 colher de chá de Paul Rée
1 colher de chá de Remarque
1 maço de Süskind
Acompanhamento:
250 gramas de Müller
1 pitada de Schopenhauer
1 colher de sopa de Nietzsche
6 Novalis grandes

Colocar o Mann de molho no caldo de Goethe e Kleist. Juntar os demais ingredientes. Colocar Goethe numa assadeira, regar com o Hesse e o Süskind. Assar em forno quente por meia vida, regando três vezes a cada aurora e três a cada crepúsculo. Se preferir, cozinhar numa panela em forno brando por toda a vida. Neste caso, não colocar apenas o Süskind e o Hesse, mas também muito Remarque. Lembrar de acrescentar sempre um pouco de Grass.
Acompanhamento:
Ralar o Nietzsche e misturar bem a Müller e o Schopenhauer. Abrir os Novalis ao meio e rechear com o Weiss. Envolver em louca e realística fantasia e assar por cerca de uma noite, entre o crepúsculo e a aurora.
Rendimento: infindáveis sonhos suicidas e inesperadas porções de vívido desespero e arrebatadora poesia.
Embora todo o período de cozimento indicado, não estranhe se sempre lhe parecer cruento: é assim que é, e não poderá alterá-lo.
Bebidas para adicionar trágico cotidiano: Licor Bukowski ou cerveja Brecht (sem safras especiais).

Amâncio Siqueira

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Sem palavras



A cena um do ato III da ópera As Valquírias, popularmente chamado A Cavalgada das Valquírias, de Richard Wagner, é o mais sublime, cruel e cruento retrato da morte que já ouvi. É incrível seu poder imagético, sua carga de tragédia e heroísmo. A poesia que brota de cada nota e eriça nossos pelos.

Nesta música incrível as Valquírias, mensageiras da morte, cavalgam em nossa direção e sentimos o que apenas tais mensageiras seriam capazes: somos arrebatados e nossas palavras são arrancadas de nós.

E são as palavras que compõem nossa alma. São elas que nos fazem vida.

Socó Pombo